"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 23, 2015

O BALANÇO DA RUÍNA ESTATAL

O balanço divulgado ontem é a melhor expressão da mistura tóxica de incompetência, má gestão e corrupção que envolveu a atuação da Petrobras nos últimos 12 anos

O balanço da Petrobras divulgado ontem é a melhor expressão da mistura tóxica de incompetência, má gestão e corrupção que envolveu a atuação da empresa nos últimos 12 anos. Suas perdas bilionárias ocorreram principalmente no tempo em que a hoje presidente da República chefiava seu conselho de administração.

O balanço traz o primeiro prejuízo da empresa em 23 anos: 
R$ 21,6 bilhões, razão pela qual seus acionistas ficarão sem receber dividendos neste ano. Exibe perda de R$ 6,2 bilhões com corrupção e de R$ 44,6 bilhões com negócios mal feitos. 

Também consolida a Petrobras como a empresa mais endividada do mundo: 
R$ 351 bilhões de dívida bruta, com alta de 31% no ano, num patamar muitíssimo acima de suas concorrentes.

A divulgação dos números definitivos de 2014 marca um momento na história da Petrobras que deve ser "aprendido para nunca mais ser repetido", para usar uma expressão cara a sua ex-presidente, Graça Foster. Momento em que a estatal foi posta de joelhos, subjugada pelo interesse dos partidos no poder liderados pelo PT.

Pelo caminho, tombaram refinarias anunciadas sob palanques, mas economicamente impraticáveis, como as do Maranhão e do Ceará. E feneceram parte do gigantesco Comperj, não sem antes torrar quase R$ 22 bilhões, e da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, onde o desperdício somou R$ 9 bilhões. Uma história de fracassos.

Como parte deste enredo nefasto, a companhia também foi convertida em arrimo de uma política de controle artificial da inflação que lhe causou perdas de R$ 90 bilhões nos últimos quatro anos. E foi submetida a um plano de negócios inviável dento de uma equação em que gerar caixa era a menor das preocupações de seus gestores - tanto que, nos últimos quatro anos, a produção de petróleo mal saiu do lugar.

Capítulo especial envolve a exploração do pré-sal. As obrigações de viés nacionalista impostas pelo novo marco legal simplesmente inviabilizaram a expansão da produção das reservas brasileiras e impediram o avanço do setor de petróleo no país. Agora a Petrobras também se vê obrigada a frear investimentos e a vender ativos seus a preço de banana.

Objetivamente, o que há agora é, de um lado, uma empresa controlada pelo Estado brasileiro que assumidamente confessou a prática de corrupção. Do outro, investigações conduzidas por instituições da República que mostram que este dinheiro foi usado pelo partido do governo e seus aliados para se perpetuar no poder. E, na ponta extrema, a suspeita de que o dinheiro sujo ajudou a eleger a hoje presidente da República.

Para todo o sempre, está provada a falácia do discurso eleitoreiro do PT segundo o qual a oposição tinha ganas de acabar com a Petrobras. Na realidade, era mera cortina de fumaça para que o partido de Dilma e Lula promovesse a mais escandalosa temporada de que se tem notícia na estatal. Os resultados vergonhosos do balanço publicado ontem são o registro definitivo de uma era de ruína.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

THE ECONOMIST - Petrobrás: quanto do teu sal são lágrimas? "O futuro da companhia não depende apenas de seus executivos. É preciso que os políticos, além de parar de roubar, abstenham-se de interferir."

Saber o pior pode ser o primeiro passo para uma recuperação. Mas não é garantia de que ela acontecerá. Ontem, com enorme atraso, a Petrobrás divulgou seu balanço financeiro de 2014, depois de auditores terem vasculhado os livros da empresa à procura de informações sobre anos de fraudes e malversações que fazem parte do maior escândalo de corrupção de que se tem notícia no Brasil. A estatal de petróleo anunciou que R$ 6,2 bilhões (US$ 2,1 bilhões) foram surrupiados de seus cofres. 

Entre outras más notícias, destaca-se a baixa contábil de R$ 44,6 bilhões, causada sobretudo pela revisão no valor dos investimentos no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e na refinaria de Abreu e Lima. O prejuízo líquido de 2014 ficou em R$ 21,6 bilhões, contrastando com um lucro de R$ 23,6 bilhões em 2013.

Fazer a faxina na Petrobrás (e no sistema político brasileiro) é uma tarefa de longo prazo. No curto prazo, a maior preocupação da companhia é simplesmente sobreviver, apesar da produção em queda, dos preços do petróleo em baixa, dos problemas de caixa e da conta gigantesca a ser paga pela exploração de seus ativos mais preciosos: os campos do pré-sal.

A publicação do balanço auditado era uma questão de vida ou morte. Os credores poderiam ter exigido o pagamento antecipado de dívidas no valor de US$ 54 bilhões, se a empresa não divulgasse os resultados de 2014 até 30 de abril. A farra de empréstimos promovida pela direção anterior fez da Petrobrás a companhia mais endividada do mundo e a deixou - quando o escândalo veio à tona - sem acesso aos mercados de capital.

A transparência em relação ao passado não aplacará os acionistas americanos, que estão furiosos com a gestão desastrosa da empresa. Alguns inclusive já entraram na Justiça. Mas, por ora, os investidores parecem dispostos a conceder à nova diretoria, comandada pelo ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, uma chance: As ações da Petrobrás se estabilizaram nos últimos meses, embora ainda estejam muito abaixo de seu patamar mais elevado.

Bendine diz que economizará recursos cancelando o pagamento dos dividendos deste ano, cortando os gastos de capital e se desfazendo de US$ 14 bilhões em ativos até o fim do ano que vem - se vai encontrar compradores para eles é outra história.

O futuro da companhia não depende apenas de seus executivos. É preciso que os políticos, além de parar de roubar, abstenham-se de interferir. O PT da presidente Dilma Rousseff obrigou a Petrobrás a vender petróleo importado com prejuízo, a fim de manter os preços baixos nos postos de combustível do país. Isso provocou uma sangria financeira na empresa. 

Agora o governo permitiu um aumento nos preços, mas persistem as pressões políticas, como a exigência de que a Petrobrás pague dividendos elevados, que ajudam a manter em pé as combalidas contas públicas do país. O governo também insiste na ideia de que a Petrobrás conduza a exploração dos campos do pré-sal - uma tarefa para cuja realização a empresa talvez tenha competência técnica, mas não recursos.

Alguns desses problemas cairão no colo da Shell. A gigante anglo-holandesa acaba de adquirir a empresa de energia britânica BG, que tem importantes parcerias com a Petrobrás. Bendine cogita ampliar as parcerias. A Shell dispõe de dinheiro em caixa e know-how, mas talvez prefira avançar com cautela num país em que à vanglória sobrevém a ruína e onde o que não falta é incúria e improbidade.

O Estado de São Paulo

QUEM NÃO TE CONHECE QUE TE COMPRE : Mercado recebe mal o balanço da Petrobrás e ações têm forte queda. Após abrir em forte queda, ações da Petrobrás tem volatilidade

Se havia dúvida sobre como o mercado receberia o balanço da Petrobrás, que mostraram uma perda de R$ 6,2 bilhões com corrupção, agora elas acabaram. As ações da Petrobrás abriram com queda expressiva nesta quinta-feira, 23 após a empresa ter anunciado ontem que encerrou 2014 com prejuízo de R$ 21,587 bilhões. 

Às 10h25, o papel preferencial (PN) cedia 7,39% e o ordinário (ON) recuava 5,03%, ambos no topo das maiores baixas do Ibovespa. O principal índice da Bolsa, no mesmo momento, registrava desvalorização de 0,68%, aos 54.245 pontos.

Para calcular as perdas com corrupção, a Petrobrás considerou a a aplicação de um porcentual fixo sobre o valor total de todos os contratos entre 2004 e abril de 2014. Os mesmos 3% que foram indicados nos depoimentos do ex-diretor de abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, que depois de preso pela Polícia Federal, revelou o esquema em delação premiada.

A Petrobrás reconheceu em seu balanço financeiro de 2014, divulgado com atraso, a perda de R$ 6,194 bilhões por causa de gastos relacionados à corrupção, feitos de 2004 a 2012, e identificados nas investigações da operação Lava Jato, da Polícia Federal. Outros R$ 44,636 bilhões foram registrados como perdas após revisão no valor de ativos. Com isso, registrou prejuízo de R$ 21,587 bilhões em 2014, o primeiro resultado negativo anual desde 1991. 

A estatal pontuou que as investigações internas e externas ainda estão em andamento, mas que já toma medidas jurídicas necessárias perante as autoridades brasileiras para buscar ressarcimento pelos prejuízos sofridos, incluindo aqueles relacionados à sua reputação. A Petrobrás espera. inclusive, entrar com ações cíveis contra membros da Lava Jato.

Tombo põe em xeque política para o setor de petróleo
O Estado de S.Paulo/Análise: Irany Tereza

O ano de 2014 entrou para a história da Petrobrás com uma carga negativa que impressiona. Difícil imaginar uma dívida de R$ 351 bilhões, que corresponde a quase cinco vezes a capacidade da companhia de fazer dinheiro, e não pensar no longo tempo que a empresa consumirá no processo de recuperação. Não foi à toa que, antes das más notícias de ontem, a petroleira correu para divulgar, na última sexta-feira, a obtenção de créditos pré-aprovados com bancos públicos e Bradesco, de R$ 9,5 bilhões.

Está claro que, para voltar a crescer, a Petrobrás terá de encolher ainda mais. O mote da mudança de rumo ficou evidente: menos investimento, mais parcerias e venda de ativos. O patrimônio, que encolheu drasticamente - tanto pela recalibragem de seu valor quanto pela faxina que tentou expurgar valores inflados pela corrupção - vai minguar mais um pouco. Depois de 24 anos de lucro e farta distribuição de dividendos - tendo o Tesouro como o maior beneficiário -, a Petrobrás registrou um inacreditável prejuízo de R$ 21,6 bilhões.

Tudo isso deixa no ar algumas interrogações. Os planos do governo para a exploração do pré-sal serão mantidos tendo a Petrobrás como operadora única de toda a região, responsável por 30% dos investimentos? E o nível de participação da indústria nacional, o "conteúdo local", uma das grandes bandeiras do PT, terá condições de ser mantido em porcentuais em torno de 65%?

Há algum tempo circulam informações de que a política energética terá de sofrer fortes alterações. A revisão vai começar pela empresa, que trará para patamares mais realistas os investimentos no pré-sal. O passo seguinte pode ser uma reforma mais profunda, incluindo o marco regulatório do setor.