"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 16, 2015

AGORA FALTAM OS CHEFES


A prisão de Vaccari e a condenação das 'pedaladas fiscais' por parte do TCU são passos decisivos para que a organização criminosa que comanda o país há 12 anos seja extirpada

O Brasil está praticamente sem governo, mas felizmente ainda dispõe de instituições sólidas que ontem, mais uma vez, demonstraram sua força. A prisão do tesoureiro do PT, decretada pela Justiça Federal, e a condenação das "pedaladas fiscais" por parte do Tribunal de Contas da União são passos decisivos para que a organização criminosa que dirige o país há 12 anos seja implacavelmente punida e o país volte a ter comando.

As duas decisões envolvem a série de procedimentos irregulares - no caso fiscal - e ilegais - no episódio envolvendo João Vaccari Neto e seus sócios do petrolão - dos quais os governos do PT vêm lançando mão na gestão do país, seja com Dilma Rousseff, seja com Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta cadeia de comando, falta chegar aos chefes.

Vaccari tornou-se o segundo tesoureiro do PT preso em menos de um ano e meio. O antecessor Delúbio Soares cumpre pena em casa por corrupção ativa, praticada na época em que tinha as chaves dos cofres petistas, entre 2000 e 2005. O mensalão que condenou Delúbio virou piada de salão perto do que a turma que inclui Vaccari fez.

Até ontem tesoureiro do partido da presidente da República e que comanda o país desde 2003, Vaccari é suspeito de ter participado de um esquema que pode ter movimentado R$ 2 bilhões, desviados de contratos firmados com a Petrobras e empresas do setor elétrico. Deste valor, uns 30% podem ter ido para o PT.

A presidente Dilma apressou-se em mandar seus porta-vozes espalharem que "fez questão" de que Vaccari nem passasse perto da tesouraria de suas candidaturas à presidente. Alto lá! Na função de tesoureiro do PT, ele repassou R$ 30 milhões para a campanha que reelegeu Dilma em 2014 - dos quais R$ 4,8 milhões foram doados por empresas investigadas na Lava Jato. É dinheiro provavelmente enlameado na reeleição da presidente.

Não custa lembrar também que, além disso, Vaccari ocupou durante anos cargo de conselheiro em Itaipu Binacional, do qual só se afastou neste ano depois de muita cobrança da oposição. Ficou naquela função desde 2003, quando foi nomeado pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. O que o agora ex-tesoureiro do PT fazia lá?

Outra: 
o tesoureiro da campanha de Dilma em 2014 hoje ocupa gabinete privilegiado no Palácio do Planalto. Edinho Silva é agora secretário de Comunicação da Presidência e, nesta função, responsável por negociar com milhares de empresas do ramo no país inteiro. São exatamente repasses fraudulentos em contratos de comunicação que levaram Vaccari à prisão ontem - e também estão sendo investigados na Caixa e no Ministério da Saúde.

A investigação da Justiça identificou depósitos irregulares em gráficas ligadas ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, o mesmo do qual João Vaccari foi presidente e em que também é acusado de desviar dinheiro de mutuários do Bancoop, lesados em negócios imobiliários.

O dinheiro das gráficas foi pago por empreiteiras com contratos com a Petrobras sem que nenhum serviço fosse prestado, e dali repassado para o PT. Ou seja, não são "doações legais", conforme tem alegado a linha de defesa petista. Um dos ex-diretores da mesma gráfica está hoje lotado na Secretaria-Geral da Presidência da República, mostra O Globo.

O comportamento criminoso reiterado de Vaccari foi determinante para a decretação da sua prisão pela Justiça. Desde março, ele é réu, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, num esquemão que pode ter levado mais de R$ 600 milhões para as arcas do PT, segundo denunciou Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras.

Na função de tesoureiro do PT, Vaccari foi um verdadeiro prodígio. Ele catapultou as doações ao partido como nunca antes na história. Considerando-se apenas anos não eleitorais, elas passaram de R$ 11,2 milhões em 2009, antes de ele assumir o cargo, para R$ 80 milhões em 2013, com o petrolão a todo vapor, informa O Globo.

A esposa, a filha e a cunhada de Vaccari também estão envolvidas, com suspeita de enriquecimento incompatível com a renda. Contudo, Rui Falcão, o presidente do PT, já jurou que Vaccari "nunca pôs dinheiro no bolso". Desde outubro, o tesoureiro vinha dizendo a amigos que estava "pronto para ser preso". O que ele fez desde então? Quantas provas terá destruído de lá para cá?

A outra decisão histórica de ontem envolve as "pedaladas" fiscais praticadas pelo governo da presidente Dilma para maquiar as contas públicas. O TCU concluiu que bancos públicos como a Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES foram usados para cobrir despesas com programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e seguro-desemprego, o que é proibido por lei.

Cerca de R$ 40 bilhões podem ter sido usados para reduzir artificialmente o rombo fiscal do país na era Dilma. Houve, portanto, crime de responsabilidade, em infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal. Por isso, 17 atuais e ex-autoridades do governo serão chamadas a responder pela infração, passível de multa e processos.

Algumas delas ainda estão no governo, como os presidentes da Petrobras e do Banco Central, além dos ministros do Planejamento, do Desenvolvimento Social, do Trabalho e da Integração. Outras já se foram, como Guido Mantega, também ex-presidente do conselho de administração da Petrobras durante o petrolão.

Desde o mensalão, protagonistas dos escândalos de corrupção patrocinados pelo PT começaram a acertar contas com a Justiça. Primeiro caíram próceres do partido, como José Dirceu e José Genoino. Agora estão caindo também seus operadores incrustados nas entranhas do aparato estatal, como os ex-diretores da Petrobras presos, além dos donos das chaves dos cofres, como João Vaccari.

Desde então, a grande questão que não cala é: 
quando as investigações e as punições irão chegar aos chefes desta quadrilha? Com o belo trabalho feito pelo Ministério Público Federal, pela Justiça Federal e pela Polícia Federal, este dia parece estar ficando mais perto. 
Não há dúvidas de que há motivos de sobra para punir quem esteve e quem está no topo da cadeia de comando, seja da organização criminosa, seja do país, ao longo destes últimos 12 anos.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

A polícia mais perto do PT


Uma enorme lacuna no quadro das investigações da Operação Lava Jato, que saltava aos olhos diante da esmagadora evidência dos fatos, foi corrigida ontem com a prisão preventiva, pela Polícia Federal, daquele que é o principal responsável na direção nacional do PT pelo abastecimento do caixa do partido com os recursos provenientes do propinoduto montado na Petrobrás em cumplicidade com o cartel de grandes empreiteiras de obras: o secretário de Finanças João Vaccari Neto, também conhecido entre a tigrada como "Moch", por causa da inseparável mochila que leva até para reuniões de negócios.

A prisão vai permitir que Vaccari reencontre em Curitiba aquele que as investigações apontam como um de seus cúmplices mais importantes, o então diretor de Serviços da petroleira, Renato Duque, acusado de ser o principal representante do PT no esquema de assalto à Petrobrás.

A prisão preventiva de Vaccari foi determinada pelo juiz Sergio Moro, para quem manter o investigado em liberdade "ainda oferece um risco especial, pois as informações disponíveis na data desta decisão são no sentido de que João Vaccari Neto, mesmo após o oferecimento contra ele de ação penal pelo Ministério Público Federal (...), remanesce no cargo de tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. Em tal posição de poder e de influência política, poderá persistir na prática de crimes ou mesmo perturbar as investigações e a instrução da ação penal".

Na semana passada, chamado a depor na CPI da Petrobrás, na Câmara dos Deputados, Vaccari negou-se a responder a quase todas as perguntas, escudando-se em liminar da Justiça que o desobrigava de fornecer informações que pudessem comprometê-lo nas investigações do escândalo. Vaccari só ousou se manifestar para repetir que todas as "doações" recebidas pelo PT das empreiteiras envolvidas na Lava Jato foram "legais" e "devidamente registradas no TSE". O que provavelmente é verdade, mas não elide o fato de que a origem do dinheiro pode ser criminosa, produto de propina, como a Lava Jato tem comprovado sem sombra de dúvidas.

Resta saber agora a atitude que será assumida pelo PT: tomar a precaução tardia de afastar seu tesoureiro das funções que exerce no Diretório Nacional ou promovê-lo ao Panteão dos "guerreiros do povo brasileiro", como fez com seus dirigentes condenados no processo do mensalão.

A prisão de Vaccari Neto, no entanto, foi apenas mais um espinho na coroa que o escândalo da Petrobrás representa para o PT e o governo. No mesmo dia, a Folha de S.Paulo publicou denúncia do executivo da empresa holandesa SBM Offshore Jonathan Taylor, que acusou a Controladoria-Geral da União (CGU) de ter esperado três meses para - somente depois das eleições presidenciais - tomar providências, em novembro do ano passado, em relação às denúncias detalhadas, apresentadas em agosto, de que a empresa teria pago propina de US$ 31 milhões à Petrobrás para poder fazer negócios com a estatal. A SBM tem com a petroleira contratos de locação de plataformas de exploração de petróleo.

Taylor revelou ter encaminhado à CGU documentos que comprovam depósitos feitos, entre 2008 e 2011, na conta de uma empresa com sede nas Ilhas Virgens e controlada pelo lobista brasileiro Júlio Faerman, apontado como o intermediário da operação de suborno. Essas informações integram o dossiê enviado por Taylor à CGU via e-mail, no dia 27 de agosto do ano passado. Depois de confirmar o recebimento, no início de outubro a CGU enviou três funcionários a Londres, onde Taylor reside, para tomar seu depoimento, o que foi feito no dia 3. Somente em 12 de novembro, após o segundo turno da eleição presidencial e o anúncio de um acordo com o Ministério Público holandês, a CGU decidiu abrir processo contra a SBM. E explicou que somente naquele momento conseguira identificar elementos de "autoria e materialidade" para tomar providências legais.

A denúncia de Jonathan Taylor envolve duas questões graves: 
o pagamento de propina por um fornecedor da Petrobrás e, muito pior, a suspeita de que a CGU protelou suas ações para poupar a candidata à reeleição de graves constrangimentos. O governo brasileiro, é claro, nega tudo. Mas Dilma Rousseff parece estar envolvida em mais uma grossa encrenca.

O Estado de São Paulo