"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 05, 2014

As Bombas de 2015 OU Em maio, A DESAVERGONHADA ESTELIONATÁRIA dizia que o país iria 'bombar' em 2015. As novas previsões contidas na LDO para o ano que vem indicam, porém, que as bombas serão de natureza bem distinta


Recordar é viver. 

No dia 6 de maio passado, Dilma Rousseff reuniu um grupo de mulheres jornalistas para um jantar no Palácio da Alvorada. 
Sua mais eloquente frase foi esta: 
"É absurda essa história de o Brasil explodir em 2015. É ridículo. Pelo contrário, o Brasil vai bombar". 

O site oficial do PT ainda foi além: 
disse que esta era uma "garantia" dada pela candidata à reeleição.

Pelo que prevê a Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada ontem ao Congresso, parece que nem a Dilma presidente crê na Dilma candidata. As bombas a explodir no ano que começa dentro de 26 dias são de natureza bastante distinta da prometida pela petista: crescimento menor, inflação ainda bastante alta e dívida pública - tanto a bruta, quanto a líquida - subindo mais.

A previsão oficial de crescimento do PIB baixou agora para 0,8%, o mesmo que preveem, na média, os analistas de mercado que o Banco Central consulta semanalmente. E também em linha com as estimativas da Cepal anunciadas no início da semana: em todo o continente, assim como neste ano, em 2015 o Brasil só deverá crescer mais que a Argentina e a Venezuela. Que bomba!

A previsão oficial anterior, feita durante o período eleitoral, era de crescimento de 3%. Em novembro, mês que acaba de acabar, o governo reviu a estimativa para 2%, mais que o dobro da ora adotada, segundo dizem, pela dupla Joaquim Levy-Nelson Barbosa. Como se consegue errar tanto em tão pouco tempo?

Os compromissos mais realistas da nova LDO para 2015 seriam os primeiros "atos de austeridade" da nova equipe econômica que ainda não assumiu a caneta. Antes, porém, o hábito de errar não dá trégua. Ontem foi a aprovação do projeto que achincalha a Lei de Responsabilidade Fiscal e anistia Dilma de crime de responsabilidade por não cumprir metas orçamentárias.

Anteontem, a equipe que está de saída passou o rodo e baixou um pacotão de lambanças fiscais. Aportou mais R$ 30 bilhões no BNDES para custear mais empréstimos camaradas para empresários amigos e autorizou o governo a usar dinheiro que deveria servir para momentos de crise para pagar despesas obrigatórias de 2014. Tudo por meio de medida provisória, na calada.

Passados 40 dias da reeleição, Dilma Rousseff até hoje não se dignou a vir a público explicar por que se elegeu dizendo uma coisa e agora se prepara para governar fazendo outra, diametralmente oposta. O máximo que fez foi assinar uma carta, não ao povo brasileiro, como a ocasião exigiria, mas a um banco estrangeiro de investimento.

Nela, repete as mesmas profissões de fé no mercado que fez em 2010 e nunca cumpriu. Nada mais representativo da conversão envergonhada da presidente. Nada mais significativo de seu pouco caso pelos cidadãos.
 Ela até tem certa razão: 
em 2015, o país vai bombar. Mas de um jeito bem diferente.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

NYT: juros no Brasil fariam agiota americano sentir vergonha. Jornal destaca o lucro das lojas de penhores no país, citando taxas do cartão de crédito em mais de 240% ao ano

"Os juros praticados no Brasil fariam um agiota americano sentir vergonha." A afirmação foi feita pelo The New York Times (NYT), em reportagem publicada nesta semana. O jornal americano aborda os ganhos das lojas de penhores no Brasil, citando as taxas do cartão de crédito em mais de 240% ao ano e 100% cobrados por empréstimos bancários. Conforme o NYT, "o crescente sucesso das lojas de penhores é o mais recente sinal de que a orgia de endividamento dos consumidores do país pode estar chegando ao seu limite”.

Em um cenário de desaceleração econômica e de dificuldade para pagar contas, as lojas de penhores se apresentam como alternativas que crescem, na contramão de outras formas de crédito. A Caixa Econômica Federal, que detém o monopólio do serviço, planeja dobrar o número de agências que oferecem esse tipo de empréstimo até o final do ano que vem. 

Segundo a reportagem, de junho de 2004 a junho de 2014, o crédito ao consumidor aumentou 658%, alcançando 297 bilhões de dólares, enquanto os empréstimos oferecidos por penhoras pela Caixa mais do que dobrou nos últimos quatro anos, atingindo 670 milhões de dólares. 

O NYT explica que as lojas de penhores são usadas para quitar as dívidas do cartão de crédito, cobrir despesas imprevistas ou oferecer linhas de crédito mais baratas. A reportagem também remonta as origens do serviço, cujo monopólio por parte da Caixa veio do governo Getúlio Vargas. Para baixar os juros, o presidente aboliu as lojas de penhores particulares em 1934.

LULOPETISMO : O “mercado” pode celebrar; o Brasil, não. OU A incrível história de Joaquim e Barbosa

"São pessoas que têm elevada credibilidade junto à sociedade, junto ao mercado. Essa equipe tem o simbolismo necessário para essa tarefa que nós vamos enfrentar daqui por diante.” O senador petista Humberto Costa oferece uma primeira pista sobre o sentido das nomeações da equipe econômica. Joaquim, o Levy, assumirá a Fazenda, pois “tem o simbolismo necessário” para restaurar a “credibilidade” perdida pela política econômica. 

A segunda pista surge na sequência do raciocínio:
“Nós vamos fazer essa inflexão, mas isso é uma coisa temporária.” Barbosa, o Nelson, assumirá o Planejamento para aguardar a passagem da etapa “temporária”, depois da qual seria transferido para a Fazenda.

“Um passo atrás para dar dois passos à frente.” 
Não sei se a frase célebre de Lenin sobre a Nova Política Econômica, implantada na URSS em 1921, emergiu nos conclaves fechados que precederam as escolhas de Joaquim e Barbosa, mas a ideia está aí. O “banqueiro” tem a missão de fazer o trabalho sujo: limpar a casa, restabelecendo o equilíbrio fiscal e contendo as pressões inflacionárias. Depois, na etapa prévia às eleições de 2018, o “desenvolvimentista” retomaria o fio da expansão do gasto, do crédito, do consumo e da dívida, engatilhando a já anunciada candidatura de Lula. 

Lenin almejava chegar ao comunismo, pela via longa da “etapa” do mercado. O lulopetismo almeja apenas eternizar-se no poder, mesmo às custas das perspectivas de longo prazo da economia brasileira.

Dilma Rousseff engoliu o “banqueiro”, imposto por Lula, expondo-se à justa acusação de estelionato político. “É do jogo”: jornalistas rendidos ao cinismo sacam sua tirada preferida para garantir que nada há de incomum no uso descarado da mentira como ferramenta eleitoral. Mas, de fato, a mentira não “é do jogo”. Nas democracias, como regra, líderes eleitos cumprem a essência do que prometem. O estelionato sinaliza uma crise de fundo, não uma oscilação circunstancial. A deterioração da linguagem é um sintoma da crise. O Planalto enviou ao Congresso uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias que cria um superávit deficitário. 

Guido Mantega é um ministro demitido em exercício. Joaquim e Barbosa foram ministros nomeados por boatos, antes de serem promovidos a futuros ministros em exercício na equipe de transição do governo Dilma para o governo Dilma. Novilíngua.

Os jornalistas “do jogo” adoram paralelos aparentes — e impertinentes. No primeiro mandato, quando nomeou a dupla Palocci/Meirelles, Lula não praticava estelionato, mas operava segundo a lógica da Carta aos Brasileiros. Dilma, pelo contrário, nomeia Joaquim logo depois de dizer que os “banqueiros” de Aécio e Marina conspirariam para tirar a comida da mesa dos pobres. O “banqueiro” de Dilma, cedido por um banqueiro de verdade, passou os últimos anos criticando a política econômica na qual a presidente-candidata prometeu persistir. 

O abaixo-assinado de protesto contra a nomeação, firmado por personagens carimbados da nossa deplorável esquerda, contém uma verdade:
 o governo desrespeita a democracia ao trocar seu discurso de campanha pelas propostas de política econômica da oposição. 

A outra, obviamente, não está no texto: 
tirando alguns ingênuos irrecuperáveis, seus autores apenas utilizam o nome do “banqueiro” como moeda de troca pelos nomes dos “companheiros” que sonham emplacar no Ministério.

Dirigindo-se à audiência militante do abaixo-assinado, Gilberto Carvalho disse que, “ao aceitar ser ministro desse projeto”, Joaquim, o Levy, “está aderindo a esse projeto e à filosofia econômica desse projeto”. Para além da bravata, a mensagem é que a autonomia de Joaquim está limitada à esfera do ajuste fiscal. O ministro nomeado para a Fazenda não tem a prerrogativa de avançar em reformas centradas na produtividade, na competitividade e no equilíbrio cambial. Contudo, sem elas, não se alcançará uma redução duradoura dos juros, pressuposto de um ciclo sustentado de crescimento. 

No fim, o “projeto” circunscreve-se a um efêmero ajuste recessivo, conduzido por um “banqueiro”, como introito a uma nova “etapa” de expansão populista, conduzida por um “companheiro”.

Joaquim aceitou a missão porque Lázaro Brandão, o chefão do Bradesco, pediu-lhe isso e porque quer desenhar um “X” no quadrado vazio de seu currículo. Mas ele deve saber que a “filosofia econômica” do governo chama-se Barbosa, o Nelson. O ministro nomeado para o Planejamento está entre os principais formuladores da “nova matriz econômica” que desembocou na crise atual. Ele só deixou o governo quando viu se abrirem as portas do inferno, depois que Dilma e Mantega resolveram seguir os doutos conselhos do secretário do Tesouro, Arno Augustin, engajando-se na maquiagem das contas públicas. 

O conflito entre Fazenda e Planejamento está escrito nas estrelas — e seu resultado também. Joaquim, o Breve, foi nomeado para fazer, exclusivamente, o trabalho sujo.

O lulopetismo não é um movimento de ruptura, como o chavismo. Essencialmente conservador, sua película ideológica circunscreve-se, na esfera da política econômica, à expansão dos investimentos das estatais, do gasto público, do crédito ao consumo e dos subsídios para o alto empresariado. A receita populista, mal denominada “keynesiana” por seus arautos, não é sustentável ao longo da fase de baixa do ciclo econômico — e, por isso, precisa ser corrigida periodicamente por ajustes recessivos. 

É aí que entra o “banqueiro”, convocado para salvar os “companheiros” das consequências de seus alegres folguedos.

A equipe econômica anunciada pela presidente é uma síntese, produzida na hora da crise, da alma dúplice do lulopetismo. De certa forma, Gilberto Carvalho tem razão. Tanto Joaquim quanto Barbosa fazem parte “desse projeto” de reiteração pendular de nossa mediocridade. O “mercado” pode celebrar; o Brasil, não.

DEMÉTRIO MAGNOLI
Fonte: O Globo, 04/11/2014.