"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 24, 2014

Alquimia Fiscal

Faltando 40 dias para acabar o ano, o governo finalmente tem uma meta de poupança para 2014. É espantoso, mas o assombro pode ser maior: 
o objetivo pode nem ser cumprido, porque as contas são meio de mentirinha. 
Se o dinheiro público é tratado pela gestão Dilma desta maneira, imagine o resto.

Na sexta-feira, o governo da presidente reeleita anunciou sua nova meta fiscal para o ano. Foi a enésima revisão das receitas e despesas, bem como das estimativas de crescimento da economia e da inflação. Em todos os casos, sempre para pior: a previsão de aumento do PIB, por exemplo, que Guido Mantega chegou a alardear que seria de 5%, caiu para 0,5%.

A meta agora é poupar R$ 10,1 bilhões no ano. Até então, o objetivo era obter superávit de R$ 80,8 bilhões, embora há bastante tempo o governo já soubesse que não iria passar nem perto disso. Aliás, desde que o superávit deste ano foi estipulado na lei orçamentária, ainda em 2013, nunca foi levado a sério.

Nesta semana, o Congresso deve votar proposta que permite resultados ainda piores. Na realidade, dá carta branca para que mesmo um déficit nas contas públicas - o resultado mais provável - seja considerado superávit. Trata-se de projeto que transforma a Lei de Responsabilidade Fiscal em lei de alquimia fiscal.

O governo quer autorização para descontar da meta de poupança todo o gasto com o PAC e todas as desonerações fiscais. Assim fica fácil. Pela lógica petista, quem quiser emagrecer pode desconsiderar os efeitos do doce da sobremesa ou a caminhada que deixou de fazer; o que conta é a intenção.

O rombo fiscal neste ano ainda é o resultado mais provável porque as contas que o governo apresentou na sexta-feira mantêm grossas camadas de maquiagem. Receitas e despesas da Previdência, por exemplo, estão mal estimadas - aliás, o governo agora admite para o sistema previdenciário o mesmo rombo contra o qual estrilou no início do ano - e o resultado também depende de saques no Fundo Soberano.

A alquimia fiscal é mais um dos muitos estelionatos eleitorais de Dilma Rousseff. Poucos dias antes do primeiro turno da eleição presidencial, em setembro, seus bruxos da contabilidade apresentaram ao país um orçamento com receitas R$ 38 bilhões maiores e despesas R$ 32 bilhões menores. 
Tudo mentira.

Fato é que o governo produzirá neste ano o pior resultado fiscal desde 1998. Descumprir metas tornou-se a tônica desta administração: em três dos quatro anos da atual gestão foi assim. Passamos anos à base de contas de padeiro para sustentar que estava tudo bem com o desempenho fiscal do país. A conta está chegando: junto com a nova equipe econômica, vem aí um forte arrocho fiscal. Tudo o que Dilma sempre jurou que jamais faria...

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

Brasil(REAL) tem o maior déficit em conta corrente para o mês de outubro desde 1980. Segundo o Banco Central, déficit somou US$ 8,1 bi em outubro, o maior saldo negativo para o mês desde o início da série histórica

As contas externas do País voltaram a registrar recorde negativo em outubro. No mês passado, o déficit em conta corrente somou US$ 8,131 bilhões, o maior saldo negativo para o mês desde o início da série histórica, em 1980, segundo dados do Banco Central. O maior resultado negativo em um mês de outubro havia ocorrido em 2013, quando ficou em US$ 7,096 bilhões. 

O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Tulio Maciel, acrescentou que, como os volumes antes dessa data eram menores, é possível considerar que é o maior desde 1947, quando o BC começou a levantar os dados de transações correntes. O resultado de outubro, comentou o técnico, também ficou maior do que a previsão do economista e também mais elevado do que o saldo do mesmo mês de 2013. 

O déficit de outubro é o terceiro maior do ano, perdendo para os resultados negativos vistos em janeiro (US$ 11,5 bilhões) e abril (US$ 8,3 bilhões). O resultado da conta corrente (ou transações correntes) faz parte do Balanço de Pagamentos, que representa a poupança do País. Se o BP é negativo, significa que para pagar todas as contas externas o País usou parte das reservas internacionais. 

Em outubro, porém, o Balanço de Pagamentos foi superavitário em US$ 267 milhões, o que significa que houve uma poupança para as reservas internacionais.O BP possui além das transações correntes, a conta capital e financeira (que teve superávit de US$ 8,198 bilhões) e a parte reservada a erros e omissões (superávit de US$ 201 milhões).

O resultado da conta corrente ficou dentro das previsões coletadas pela Agência Estado, que iam de um saldo negativo de US$ 8,6 bilhões a US$ 6,6 bilhões - a mediana apontava para um déficit de US$ 7,6 bilhões. Em setembro, houve déficit de US$ 7,907 bilhões. A previsão do BC para outubro, apresentada no final do mês passado, era de um saldo negativo de US$ 6,6 bilhões. Em igual mês do ano passado, o resultado havia ficado negativo em US$ 7,096 bilhões. 

Nos dez primeiros meses do ano, o déficit em conta corrente está em US$ 70,697 bilhões, o que representa 3,74% do Produto Interno Bruto (PIB). A projeção do BC para 2014, é de um déficit de US$ 80 bilhões e faltam apenas dados de dois meses para o encerramento do ano. Já no acumulado dos últimos 12 meses até outubro de 2014, o saldo negativo está em US$ 84,428 bilhões, o equivalente a 3,73% do PIB. 

A balança comercial, que registrou déficit de US$ 1,177 bilhão, voltou a ser a grande responsável pelo déficit maior das transações no mês passado. Maciel salientou que o preço das exportações recuou 4,2% de janeiro a outubro ante mesmo período de 2013. "O preço das exportações recuou de forma significativa levando-se em conta o mesmo quantum", comentou. O economista citou que, nesse período, houve queda de 20% do preço de minério de ferro; 5% de soja, 9% de açúcar em bruto, 8% de celulose e 23% de milho. Já o conjunto de preços importados nos primeiros dez meses do ano recuou de forma mais branda: 1,5%. 

Investimento estrangeiro. 
Os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) somaram US$ 4,979 bilhões em outubro, resultado que ficou abaixo dos US$ 5,439 bilhões registrados no mesmo período do ano passado. O resultado do mês passado, porém, ficou acima da estimativa apresentada pelo chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, de US$ 4 bilhões.

No acumulado do ano até o mês passado, o IED soma US$ 51,194 bilhões, o equivalente a 2,71% do Produto Interno Bruto (PIB). Faltando apenas dois meses para o fim do ano, o número acumulado de 2014 ainda precisa somar mais US$ 11,8 bilhões para alcançar a previsão do BC, de terminar com US$ 63 bilhões. Nos últimos 12 meses até outubro, o IED está em US$ 66,003 bilhões, o que corresponde a 2,91% do PIB. 

O Banco Central informou também que o investimento estrangeiro em ações brasileiras registrou um saldo positivo de US$ 1,162 bilhão em outubro. No mesmo período do ano passado essa conta estava positiva em US$ 193 milhões. No acumulado deste ano até outubro, o saldo está em US$ 12,466 bilhões. As ações negociadas no exterior (como ADRs) registraram um saldo negativo de apenas US$ 10 milhões.

Dívida externa. 
O Banco Central informou que a estimativa para a dívida externa brasileira em outubro de 2014 é de US$ 343,486 bilhões. No fim de 2013, a dívida estava em US$ 308,625 bilhões. 

Projeção. 
Maciel projetou que o déficit das transações correntes de novembro deve ser de US$ 8 bilhões. Para outubro, ele havia previsto um saldo negativo de US$ 6,6 bilhões, mas acabou ficando em US$ 8,131 bilhões. 

(Com informações da Agência Estado)

Cinismo e reação tardia

No seu primeiro pronunciamento desde a prisão de dirigentes de empreiteiras no escândalo da Petrobrás, a presidente Dilma Rousseff exaltou o mérito do governo de estar investigando a corrupção "pela primeira vez na História do Brasil". Fantástico! 

Em primeiro lugar, amigo leitor, o governo não está apurando nada. Ao contrário. Está sendo investigado. O juiz federal Sérgio Moro não é um contínuo do Palácio do Planalto. É representante de outro Poder da República. A Polícia Federal (PF), independente e eficiente, não é um departamento subordinado aos interesses, caprichos e ordens da doutora Dilma Rousseff. O pronunciamento da presidente da República só pode ter duas explicações: 
cinismo ou preocupante desligamento da realidade. 

A Operação Lava Jato vai compondo um quadro de corrupção que arranhou gravemente a história, a saúde financeira, a marca e o futuro de um ícone do Brasil: a Petrobrás. A atual presidente da República não é uma espectadora passiva da tragédia. O escândalo permeou os mandatos de Lula e estourou com força no atual governo. Dilma foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás no governo Lula. A presidente da República, conhecida por seu perfil centralizador e autoritário, não pode fazer de conta de que está em outro planeta. 
Ela está, queira ou não, no olho do furacão.

Dois recentes editoriais do jornal O Estado de S. Paulo, Lula e Dilma sempre souberam e Crime de responsabilidade, mostram com total clareza o que parcela significativa da sociedade já intuía: Lula e Dilma são responsáveis pelo descalabro da Petrobrás. "Diante das surpreendentes proporções do esquema de corrupção armado dentro da maior estatal brasileira com o objetivo de carrear recursos para o PT e seus aliados, não surpreende que os dois presidentes da República no poder durante o período em que toda essa lambança foi praticada soubessem perfeitamente o que estava ocorrendo. 

Em 2010 - Lula presidente e Dilma chefe da Casa Civil -, o Palácio do Planalto, por meio de veto aos dispositivos da lei orçamentária que bloqueavam os recursos, liberou mais de R$ 13 bilhões para o pagamento de quatro contratos de obras da Petrobrás, incluídos R$ 6,1 bilhões para a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O TCU havia chegado à conclusão de que esses recursos estavam superfaturados, mas Lula e Dilma entenderam que era preferível tocar as obras. Só essa decisão comprova a responsabilidade desses políticos por um escândalo que deixa o Caso Collor no chinelo", sublinhou um dos editoriais.

Mas o cinismo ou desligamento da realidade é uma doença que vai contagiando todos os integrantes do governo e seus aliados. Graça Foster mostrava surpresa e indignação com as denúncias de corrupção na empresa sob sua responsabilidade. Nada sabia, nada tinha visto. Agora, premida pela força dos fatos, reconheceu, por exemplo, que sabia "há meses" por empresa holandesa de pagamento de propina na estatal. Além disso, jogou a bomba da corrupção no colo de José Sérgio Gabrielli, seu antecessor e protegido do ex-presidente Lula. 

O Conselho de Administração da Petrobrás decidiu encaminhar ao Ministério Público Federal pedido de abertura de inquérito de ação civil pública contra 15 pessoas envolvidas na aquisição da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006. Entre elas está o ex-presidente da estatal. 

O que era "invenção da imprensa" no discurso do governo e dos petistas acaba de ser reconhecido como fato. E o jogo ainda está no começo. 

Mas o que mais surpreende é a decisão "saneadora" de Graça Foster: criar uma Diretoria de Governança para o "cumprimento de leis e regulamentos internos e externos". É como se a Petrobrás, nos dois mandatos de Lula e no governo Dilma, não tivesse mecanismos de autocontrole. É brincadeira! A nova estrutura, uma nítida jogada de marketing, 
é quase um insulto. 

Chegou a hora da verdade para governantes e políticos. A sociedade está cansada da empulhação. Os culpados pela esbórnia com dinheiro público, independentemente da posição que ocupem na cadeia corruptora, devem ser exemplarmente punidos. E isso não significa, nem de longe, ruptura do processo democrático, golpismo ou incitamento à radicalização.

Dilma Rousseff foi reeleita legitimamente presidente da República. Pregar um golpe, explícita ou implicitamente, é tudo menos comportamento democrático. Isso não significa, por óbvio, admitir barreiras protetoras absurdas ou chancelas de impunidade. Todos, incluída a atual presidente, podem e devem ser responsabilizados por seus atos.

A imprensa tem função relevante no momento que vivemos. Um condenado do mensalão referiu-se à imprensa que desencadeia a pressão popular contra homens públicos aéticos e governantes corruptos comparando-a, com cinismo, à "ditadura militar". Tais declarações, características de políticos apanhados com a boca na botija, não devem preocupar. Afinal, todos, independentemente do seu colorido ideológico, procuram um bode expiatório para justificar seus crimes, deslizes e malfeitos. A culpa é da imprensa! O grito é uma manifestação de desprezo à verdade.

Os meios de comunicação social existem para incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. Nosso compromisso não é com celebridades, mas com a verdade, com a informação bem apurada, com os leitores.
 E nada mais. 

O Brasil está passando por profunda mudança cultural. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são as principais demandas da sociedade. E a imprensa está sintonizada com essas aspirações.

Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). E-mail: difranco@iics.org.br 

ENQUANTO ISSO NO brasil maravilha COM O JEITO 1,99 DE "GUVERNÁ" DOS VIGARISTAS... FAT à beira do desequilíbrio

As receitas atuais já não são suficientes para cobrir os compromissos do Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT), do qual saem os recursos para o custeio do seguro-desemprego, do abono salarial e dos programas de qualificação profissional, além dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para programas de desenvolvimento econômico. Mantidas as regras que balizam as receitas e despesas do fundo, que é vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, seu rombo, já alto, crescerá rapidamente nos próximos anos, alcançando praticamente R$ 80 bilhões até o final de 2017. 

Auditoria realizada no primeiro semestre deste ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nas finanças do FAT constatou graves desequilíbrios que, se não sanados com rapidez, poderão levar à insolvência desse fundo de grande importância econômica e social - seus recursos alocados no BNDES por determinação constitucional somam R$ 156,5 bilhões -, caso não haja aportes cada vez mais volumosos do Tesouro, que enfrenta graves dificuldades causadas pela desastrosa política fiscal. Pode-se imaginar as consequências disso para um grande número de trabalhadores temporariamente desempregados e para o desempenho da economia brasileira nos próximos anos.

O TCU constatou que, entre 2009 e 2013, as receitas cresceram bem menos do que as despesas (em 2013, a arrecadação caiu) e não há indicações de que essa tendência possa mudar. No período, as receitas subiram 21,8% (incluindo o aporte extraordinário de R$ 4,9 bilhões do Tesouro em 2013), mas as despesas aumentaram 45,2%.

Ironicamente, as desonerações tributárias concedidas pelo governo Dilma Rousseff para estimular a atividade econômica e a geração de empregos estão entre as causas apontadas pelos auditores do TCU para a crise que pode levar ao desequilíbrio financeiro estrutural do fundo criado para ajudar os trabalhadores. As desonerações incluíram os recolhimentos para o PIS-Pasep, que são a principal fonte de receita do FAT (as demais são as remunerações dos recursos transferidos para o BNDES e das aplicações financeiras do fundo).

Em termos reais, o valor das desonerações do PIS-Pasep cresceu 107,7% entre 2009 e 2013, o que, diz o relatório da auditoria, gerou "perdas acentuadas das receitas do FAT". Ao contrário do que ocorreu com as desonerações das contribuições previdenciárias, que foram compensadas com transferências de recursos do Tesouro para o sistema previdenciário, as do PIS-Pasep não geraram compensações, o que resultou em perdas líquidas para o FAT. Além disso, como outras receitas administradas pela União, também as do FAT estão sujeitas à Desvinculação de Receitas da União (DRU), que reduz a arrecadação líquida do fundo.

A distância entre receita e despesa do FAT continuará a crescer se nada for feito. O TCU calcula que o Tesouro deverá fazer um aporte de R$ 12,4 bilhões em 2014 para equilibrar as contas; de R$ 15,8 bilhões em 2015; de R$ 10,1 bilhões em 2016; e de R$ 13,2 bilhões em 2017. Essa projeção leva em conta o fim da vigência da DRU em 2015. Se ela for mantida, o rombo subirá para R$ 23,5 bilhões em 2016 e R$ 27,7 bilhões em 2017. Com isso, o déficit estimado para o período de quatro anos alcançará R$ 79,4 bilhões, valor que terá de ser coberto pelo Tesouro.

Para evitar o registro desse rombo, os auditores do TCU propuseram medidas rigorosas, entre as quais o aumento do prazo de carência para a obtenção do direito aos benefícios pagos pelo FAT e a devolução, pelo BNDES, de parte dos recursos do fundo. Dadas as dificuldades políticas para a concretização dessas medidas, o relator do processo, ministro Augusto Sherman, preferiu transferir o problema para o Congresso, para que adote "as eventuais medidas que entender necessárias".

Mas, no relatório aprovado pelo plenário do TCU, não deixou de observar que, "mantida a sistemática hoje vigente, a sustentabilidade do FAT encontra-se ameaçada no curto prazo". Isso dá ideia da urgência da questão.