"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 18, 2014

Os tentáculos do esquema de Alberto Youssef no Ministério das Cidades

As empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez receberam, entre 2011 e 2014, R$ 18,5 milhões de repasses do Ministério das Cidades para a construção da linha de trens urbanos e do metrô de Porto Alegre. Deste montante, 64% (R$ 11,8 milhões) foram repassados em 2011, primeiro ano do governo Dilma e quando a pasta era comandada por Mário Negromonte (PP), irmão de Adarico Negromonte Filho, que teve a prisão temporária decretada na última sexta-feira durante a sétima fase da Operação Lava-Jato. Ele é um dos dois foragidos da Justiça — o outro é Fernando Soares, ou Fernando Baiano, considerado o operador do esquema pelo PMDB.

O repasse dos recursos para as duas empresas cai consideravelmente nos anos seguintes, após Negromonte deixar de ser ministro. Em 2012, as duas empreiteiras receberam R$ 5,8 milhões (menos da metade), em 2013 foram R$ 630 mil e, neste ano, estão empenhados R$ 137 mil. O problema é que os contratos firmados pelo Ministério das Cidades, comandado pelo PP — um dos partidos que se beneficiaram do pagamento de propinas da Operação Lava-Jato, segundo os delatores Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras) e Alberto Youssef (doleiro e considerado o operador do sistema de lavagem de recursos) — são convênios de parceria com estados e municípios.

Paulo de Tarso Lyra - Correio Braziliense
Andre Shalders - Correio Braziliense

O mundo à parte da "PRESIDENTA" DESAVERGONHADA


Em duas falas em Brisbane, na Austrália - um discurso na abertura da reunião do Brics, que precedeu a do G-20, e numa entrevista antes de embarcar de volta -, a presidente Dilma Rousseff emitiu sinais inquietantes de que viajara também para os antípodas da realidade. No léxico dos anos 1970, quando ela integrava organizações de resistência armada à ditadura, se diria que estava "alienada", embora não estritamente no sentido clínico do termo.

 Chame-se hoje como se queira o estado de espírito que a presidente deixa transparecer em seus pronunciamentos, o fato é que eles parecem demonstrar um descompromisso com as coisas como são, substituído por um enlace mental com um mundo à parte de todo peculiar. 

No primeiro episódio, ao se dirigir aos chefes de Estado da Rússia, Índia, China e África do Sul - sócios, como o Brasil, desse bizarro clube cujos três últimos países na ordem da sigla estão mais voltados para os Estados Unidos e a Europa do que para os dois restantes -, Dilma desfiou o costumeiro rosário de queixas sobre o papel das economias desenvolvidas na ordem mundial, culpando-as pela piora das contas externas brasileiras.

 "É preciso que os países avançados recomponham sua demanda interna aos níveis pré-crise ao invés (sic) de tentar resolver seus problemas com o aumento das exportações", como se eles tivessem o dever de traçar suas diretrizes com a régua e o compasso da presidente sul-americana.

Para variar, como estão fartos de ouvir os concidadãos, tornou a martelar a versão de que "o Brasil (leia-se 'o governo') está fazendo sua parte" para a recuperação da economia global. Segundo o seu tortuoso raciocínio, prova disso seria o déficit das transações correntes do País com o exterior. Ao consumirem mais do que produzem, os brasileiros estão "importando crescimento" de outras nações, para o bem da recuperação internacional. 

Exímia praticante do jogo do contente, a Poliana do Planalto faz a sua parte para pôr de ponta-cabeça a indigesta verdade de que o causador do descompasso entre oferta e demanda é o seu governo - por incompetência e deformação ideológica e não para fomentar o progresso alheio, o que já seria absurdo.

A obra dilmista da desconstrução da realidade culminou com os fantasiosos comentários sobre os desdobramentos do colossal assalto à Petrobrás - a prisão de uma vintena de presidentes e executivos das nove maiores empreiteiras nacionais, além de um ex-diretor da estatal. "Esse não é, tenho certeza, o primeiro escândalo, mas é o primeiro escândalo investigado", disparou. 

Se ela se referia à Petrobrás, fez uma acusação leviana a governos anteriores aos do PT, de que uma chefe de governo devia se abster, se não por decência, pelo menos em respeito ao cargo que ocupa. Se falava do País, como parece mais provável, refugiou-se na ficção para não ter de encarar o caso mais investigado da história da República, no maior processo enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em seus 186 anos.

Trata-se, evidentemente, do mensalão, a lambança concebida e levada a efeito por seus companheiros de partido para arrimar na Câmara dos Deputados os interesses do governo de seu patrono Lula. Paradoxalmente, se o vexame não tivesse sido exaustivamente investigado e não tivesse sido o seu principal arquiteto, José Dirceu, punido desde logo na esfera política, com a cassação de seu mandato parlamentar, Dilma não teria tido a sorte de ser chamada a substituí-lo na Casa Civil, em 2005, e de se tornar candidata à Presidência daí a cinco anos. 

Ainda em Brisbane, ela disse que, embora nem todas as investigações sobre a Petrobrás possam ser dadas como concluídas, devem "mudar o País para sempre". O que começou a mudar o Brasil, tomara que para sempre, foi a exposição das vísceras da obsessão petista em se perpetuar no poder.

Um ditado clássico ensina que, diante de uma realidade adversa, sábio é quem, tendo fracassado em mudá-la, se resigna a conviver com ela. O ditado não diz que nome se deve dar a quem, nas mesmas circunstâncias, fabrica uma realidade paralela para escapar da servidão dos fatos.

O Estado de São Paulo 
O mundo à parte de Dilma