"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 01, 2014

Quebrando o país

Há tempos não se via tamanha irresponsabilidade no trato do dinheiro que o cidadão paga em tributos e espera ver devolvido na forma de prestação de melhores serviços públicos

As contas públicas do país estão em frangalhos. Há tempos não se via tamanha irresponsabilidade no trato do dinheiro que o cidadão paga em tributos e espera ver devolvido na forma de prestação de melhores serviços.

O pior é que quem está raspando o cofre ainda quer o voto dos brasileiros para se manter no posto por mais quatro anos. A pergunta que cabe é: para quê? Sejamos francos: o país não aguenta.

O que está acontecendo com as contas públicas do país neste momento lembra, com as adaptações pertinentes à história, episódios de triste memória da política brasileira. É mais ou menos como se Dilma Rousseff dissesse:
 "Eu quebro o país, mas eu me reelejo".

As contas do governo, incluindo estados e municípios, tiveram o pior resultado da história para o mês. Também de forma inédita, o governo gastou mais do que arrecadou por quatro meses seguidos.

Na média do ano, as despesas cresceram o dobro das receitas. Só com custeio, o aumento é de 21% até agosto. Assim tem sido já há bastante tempo. O rombo atual equivale a 4% do PIB. É dinheiro que daria para multiplicar o Bolsa Família por oito ou o suficiente para passar a pagar o benefício a simplesmente todas as famílias brasileiras.

Sem muita surpresa, o governo não cumprirá a meta de economia prometida para este ano. Passados oito meses de 2014, só 10% foram assegurados, mesmo com a equipe de Dilma tendo sangrado todas as fontes possíveis e feito todas as maquiagens imagináveis.

A meta de poupar para reduzir a dívida e diminuir a despesa do governo com o pornográfico pagamento de juros foi para o vinagre. Nenhuma novidade num governo que se especializou em não fazer o diz, em não cumprir o que promete.

O fracasso amplo, geral e irrestrito da atual gestão na economia combina muito bem com a candidata-presidente. Dilma Rousseff sempre se considerou ela própria a ministra da Fazenda - a ponto de manter hoje no cargo um ministro demitido com quatro meses de antecedência.

Tal como em outras áreas em que era apresentada como "especialista", como na energia, Dilma produziu um descalabro sem precedentes na nossa história recente. Um país que cresce menos que qualquer outro na vizinhança e cujas contas estão em pandarecos.

A realidade é que, mesmo com tanta coisa ruim à vista, nem dá para saber integralmente o tamanho da encrenca. A situação do país pode ser bem pior, dada a notória desonestidade petista.

Para complicar, quem cuida do caixa em Brasília acha que sequer problema há. Não existe hipótese de que consigam nos tirar do buraco em que nos meteram. Não há dúvida: o melhor lugar para esta gente é bem longe do cofre.



Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

"O malandro Zé Carioca talvez pudesse viver de expedientes e de criatividade. Tesouros nacionais dependem de políticas mais sérias." OU : Desastre nas contas públicas


O rombo das contas públicas aumentou de novo em agosto, com a gastança ainda em crescimento e a receita prejudicada pela distribuição de benefícios fiscais mal planejados. O déficit geral do setor público, em todos os níveis de governo, chegou a R$ 155,05 bilhões no ano, sugando o equivalente a 4,62% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 12 meses, o buraco chegou a R$ 203,26 bilhões, ou 4,03% do PIB. Nos dois períodos, o resultado foi pior que o da maior parte dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), embora a presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, insistam em proclamar o Brasil como exemplo de boa gestão das finanças governamentais.

Depois dos números muito ruins de agosto, o governo terá enorme dificuldade para alcançar a meta fiscal definida para o ano. A promessa, ainda mantida, é alcançar um superávit primário de R$ 99 bilhões para todo o setor público - União, Estados, municípios e estatais. Segundo o plano, o governo central deverá contribuir com um resultado primário de R$ 80,8 bilhões. O superávit primário é o dinheiro separado para o pagamento dos juros da dívida.


Em agosto, pelo quarto mês consecutivo, o governo central foi incapaz até de salvar esse dinheiro. Segundo o Ministério da Fazenda, a administração central - Tesouro, Previdência e BC - fechou o mês com um déficit primário de R$ 10,42 bilhões, o pior resultado para agosto em 18 anos. No cálculo do BC, o resultado é pior - um buraco de R$ 11,95 bilhões. A diferença é de método. Nesta segunda conta, o saldo primário corresponde à necessidade de financiamento.

O relatório do governo central, preparado pelo Tesouro, dá uma ideia clara do desastre fiscal de 2014. De janeiro a agosto foi acumulado um superávit primário de apenas R$ 4,67 bilhões, valor correspondente a apenas 0,14% do PIB estimado para o período. Falta, portanto, conseguir em quatro meses um resultado positivo de R$ 76,13 bilhões para alcançar a meta de R$ 80,8 bilhões fixada para o governo central. Segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, esse resultado ainda é possível. Desde o meio do ano ele vem prometendo saldos melhores nos meses seguintes.

Mesmo o pífio resultado conseguido até agosto só foi obtido graças a receitas especiais. Em oito meses, o Tesouro contabilizou dividendos de R$ 15,89 bilhões pagos por estatais. Bônus de concessões totalizaram R$ 2,73 bilhões. Em agosto, entraram R$ 7,1 bilhões de pagamentos do novo Refis, o programa de parcelamento de dividas tributárias. Essas doses de anabolizantes foram insuficientes para compensar os grandes problemas do ano - gasto excessivo e receita prejudicada pela crise e pelas desonerações. Por isso, o superávit primário acumulado em oito meses foi 87,8% menor que o contabilizado um ano antes.

De janeiro a agosto, o governo central obteve receita líquida de R$ 661,75 bilhões, 6,4% maior que a de igual período de 2013, em termos nominais. Mas a despesa total, de R$ 657,08 bilhões, foi 12,6% superior. De um ano para outro, a diferença entre os valores gastos foi quase o dobro do aumento da arrecadação. O Tesouro ainda teve um resultado primário de R$ 38,72 bilhões, 48,2% menor que o de 2013, mas positivo. Esse valor foi quase anulado pelo déficit da Previdência, de R$ 34,02 bilhões. Os gastos com pessoal cresceram 6,9%; os desembolsos do FAT, 12,8% e as despesas de capital, 27,4%, em ritmo ainda insuficiente para compensar os atrasos nos programas federais de investimento.


Com a economia ainda muito fraca, o governo dependerá de receitas especiais. Mas até esse tipo de arrecadação poderá decepcionar. Em agosto, os pagamentos do Refis foram muito inferiores à soma esperada. O governo apostava em algo na faixa de R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões. O leilão de telefonia 4G, ontem, rendeu R$ 4,98 bilhões ao Tesouro. Um dia antes ainda se falava em R$ 8,2 bilhões. O malandro Zé Carioca talvez pudesse viver de expedientes e de criatividade. Tesouros nacionais dependem de políticas mais sérias.

O Estado de Sao Paulo

VOTO DE PROTESTO


Na segunda-feira, primeiro dia útil depois da divulgação da pesquisa do Datafolha, que não apenas consignava que a presidente Dilma Rousseff abriu vantagem de 13 pontos sobre a rival Marina Silva, mas trazia de volta a hipótese de reeleição da petista já no primeiro turno, o Ibovespa caiu 4,52%, o maior tombo em um único pregão dos últimos três anos, e o dólar fechou a R$ 2,451, a mais alta cotação desde dezembro de 2008, no auge da crise internacional. 

Trata-se de uma reação impressionante pela intensidade e racional pelo que a motivou. É um enfático voto de protesto da comunidade econômica, depositado na urna dos mercados financeiros, diante da perspectiva, agora mais nítida, de que os próximos quatro anos podem ser um replay destes que estão para terminar .

O cenário de mais do mesmo não resulta, como quer fazer crer a presidente, de um patológico pessimismo dos agentes econômicos nem tampouco denota uma inclinação perversa pelo quanto pior, melhor - o jogo jogado pelo PT nos anos 1990 quando o País do Plano Real mudava, aí sim, para melhor. O pessimismo com o sombrio quadro presente e com o que muito provavelmente está por vir deriva de fatos insuscetíveis de controvérsia: 
a coleção de desastres de um governo que, desde o seu advento, carrega a duvidosa distinção de não ter feito outra coisa a não ser meter os pés pelas mãos.

E que maliciosamente transfere para a retração do nível de atividade das grandes potências econômicas a responsabilidade pelo atolamento da economia nacional. Como se o mundo exterior - e não ela própria, com a sua combinação tóxica de soberba e incompetência - a tivesse conduzido ao charco.

Olhem-se pelo ângulo que se queira os resultados da "política econômica" dilmista e o que se enxerga é um país despencando ribanceira abaixo. Praticamente a cada dia pioram os prognósticos - entre os quais do próprio Ministério do Planejamento - sobre os números do PIB deste ano. O mais recente deles, do Banco Central (BC), rebaixou de 1,6% para 0,7% a taxa de expansão da economia em 2014. Trata-se de um desempenho de envergonhar, mesmo perante os nossos vizinhos.

E não periga melhorar, dado outro indicador alarmante: 
a taxa de investimento em bens de capital e obras de infraestrutura deverá encolher 6,5% até dezembro. E o que dizer da indústria sucateada, com um retrocesso previsto de 1,6% em comparação com 2013? Já a inflação anual, na melhor das hipóteses, ficará em 6,3% - ou 1,8 ponto porcentual acima do centro da meta, que já é alto.

Não venha o governo jogar areia nos olhos do público, gabando-se do que seria o pleno-emprego obtido graças à clarividência da presidente. Os números oficiais escamoteiam que, nos últimos tempos, a taxa de ocupação não aumentou, mas, sim, o contingente de brasileiros que deixaram de procurar trabalho, excluindo-se da população economicamente ativa e, portanto, das estatísticas. Além disso, com as contratações se concentrando no setor público e no de serviços, cresce a proporção de empregos de baixa qualidade: os de alta qualidade sumiram porque o seu provedor natural, a indústria, se tornou um morto-vivo. 

Nenhum agente econômico que se preze pode ignorar essa realidade - e o seu prolongamento por mais quatro anos se as urnas confirmarem as últimas pesquisas. Quem se encarrega de fundamentar as piores previsões é a presidente em pessoa.

Diante do desmazelo das finanças públicas, por obra da gastança erigida em política de Estado, Dilma deixa explícito que dela não se espere, no segundo mandato, o choque fiscal imprescindível para resgatar a economia do buraco. Nesse ponto, uma comparação se impõe: 
em 2002, quando o favoritismo de Lula nas sondagens levava o dólar à estratosfera, bons conselheiros o induziram a acalmar os agentes econômicos garantindo numa Carta aos Brasileiros que o seu governo não faria aventuras. Lula tinha a seu lado interlocutores capazes como Antonio Palocci e Henrique Meirelles.

Mas a interlocução só foi possível porque Lula era pragmático. Já Dilma é ideológica e onisciente. Diante disso, ninguém vê na anunciada demissão do titular da Fazenda, Guido Mantega, um sinal de mudança. O comportamento do mercado comprova o ceticismo.

O Estado de São Paulo