"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 07, 2014

Aristocracia à brasileira?

Governar com os melhores quadros. 
Na floresta política dominada pelas árvores dos ismos -
 patrimonialismo,
 mandonismo, 
caciquismo,
nepotismo, 
grupismo, 
fisiologismo - e devastada pelo fogo da corrupção que consome parcela das nossas riquezas, a ideia de convocar uma casta de notáveis para o desafiante empreendimento de governar o País até parece medida simpática. 

Poucos haverão de levantar a voz contra tão eloquente demonstração de civismo. Pressupõe-se que os "melhores" a serem chamados para as tarefas governativas integrarão uma plêiade de sábios, cultores da moral e da ética, experientes, espelhos de uma vida regrada de bons exemplos. 

Onde estariam esses luminares? 
Em partidos políticos, nas organizações sociais, no universo produtivo, enfim, nos mais diferentes ambientes da vida nacional. Esse é um compromisso de Marina Silva, caso seja vitoriosa no pleito de outubro. Seria viável reunir um núcleo de dirigentes com essa diferenciada qualificação sem afetar as instituições nacionais e manter o equilíbrio do triângulo do poder, que, convenhamos, tem sido submetido nos últimos tempos a tantas tensões? 

Uma reflexão se faz necessária. 
Primeiro, vale reconhecer que não se pode acusá-la de fazer promessa eleitoreira, com interesse em tirar proveito da tese que a insere numa posição apartidária independente, sob a aplaudida intenção de procurar os melhores e tomar distância dos piores. Ao recorrer à ideia com frequência, reforça a impressão de sinceridade. A ex-seringueira acriana chega a denominar perfis, jogando uns no fogo do inferno (os identificados com a velha política) e glorificando outros com hosanas celestiais (os aparentados com a nova política).

Um "governo dos melhores", como se sabe, constitui uma das três formas clássicas de governar, sendo a primeira, a aristocracia, a que confere o poder às mãos dos áristoi, os melhores; 
as outras formas são a monarquia (monos, único, e arché, comando) 
e a democracia (kratos e demos, poder do povo). 

Esses tipos puros conduzem, na visão do filósofo Políbio, que se inspirou na República, de Platão, e na Política, de Aristóteles, a três tipos corrompidos - tirania, oligarquia e demagogia -, sistemas que têm povoado a História ao longo dos tempos. No caso brasileiro, não é novidade a pletora de oligarcas que fincam pé nos vãos da República desde sua origem.

Ao se comprometer a governar com os melhores, Marina mostra a intenção de resgatar as virtudes da sabedoria, da integridade e do conhecimento, inerentes ao original termo aristocracia na República ideal desenhada por Platão. 

Ora, pinçar quadros perfeitos, sábios, possuidores da verdade, íntegros, dentro de uma cultura política permeada por mazelas históricas parece missão impossível. Afinal, as (poucas) figuras denominadas, caso aceitem a missão oferecida por uma mandatária-mor com intenção de recriar uma "aristocracia brasileira" (não se entenda isso de maneira pejorativa), seriam aprovadas pelos partidos que as abrigam? 

Imaginemos a engenharia administrativa. Marina pede as planilhas e escolhe: três representantes de um partido, quatro de outro, dois de um terceiro, e assim por diante. Seleciona "os melhores". As siglas aceitariam a convocação unilateral de alguns feita pelo Palácio do Planalto? Pouco provável. 

Mais uma observação: 
a tríade do poder, arquitetada pelo barão de Montesquieu, está em plena vigência por estas plagas. A estabilidade de um regime requer que a correlação das forças sociais possa expressar-se nas instituições políticas. Os escolhidos pelo povo - não necessariamente os "melhores quadros" - são também legítimos representantes da sociedade e qualquer arranjo institucional voltado para a governabilidade há de considerar sua condição. 

Noutros termos, as chamadas bancadas do "baixo clero" também representam (e como) o povo. Qualquer iniciativa no sentido de forçar uma facção política (os qualificados) a prevalecer sobre as demais será antidemocrática. Há de se considerar, para efeito de garantia de governabilidade, o princípio de correlação de forças. Sem tal premissa a estabilidade de governos vai para o brejo.

Já se disse que os 513 deputados federais retratam fielmente a cara esburacada do País. Escolher os bem-compostos, os fluentes, os preparados, enfim, os mais qualificados para compor as estruturas governativas até pode constituir disposição do Poder Executivo. 

Porém tal iniciativa, mesmo carregando bom senso, haverá de ganhar endosso de partidos e, caso os escolhidos integrem entidades de intermediação social, delas devem receber o passaporte para compor a moldura administrativa. 

Vale lembrar que a harmonia alcançada pelos governos resulta da aplicação de certas capacidades, dentre elas, a extrativa, que abriga a extração de recursos necessários ao seu funcionamento, aqui entendidos não apenas os meios econômicos e financeiros, mas os suportes e apoios políticos 
(não só dos melhores). Desvios nessa vertente produzem tensões. 

Por último é oportuno levantar o véu que cobre nossa cultura política. 
Nela se verão manchas de toda ordem: 
costumes do passado; 
desvios gerados pelo declínio dos mecanismos da política (partidos sem doutrina), 
infidelidade partidária, 
invasão da coisa pública pelo interesse privado, 
distorções no sistema de votação (vota-se num candidato e se elege outro), distorção na representação (o voto em alguns Estados vale mais que em outros), cooptação imoral de eleitores, 
Parlamento refém do Executivo, presidencialismo de índole imperial, etc. 

Portanto, o compromisso central de um governante deve contemplar a reforma do sistema político e sua remodelação implicará necessariamente mudanças no modelo de administração pública, dentro da qual se implantará a meritocracia. Eis o cerne da questão posta pela candidata Marina Silva quando invoca a pretensão de "governar com os melhores".


Gaudêncio Torquato
JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, É CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER@GAUDTORQUATO

A encruzilhada da mudança


Não é a primeira vez que o Brasil se vê desafiado pelas encruzilhadas da História. Os eleitores escolherão caminhos de mudança, uns mais bem pavimentados, outros potencialmente acidentados. Manter as coisas como estão não é boa alternativa, como já está claro para a maioria.

Não é segredo para ninguém que a candidata Dilma Rousseff, independentemente das boas intenções que tenha - e as tem -, embarcou num desvio que está custando caro a ela e ao País. A partir da crise de 2008, ainda no governo Lula, como ministra todo-poderosa, Dilma (e Guido Mantega, ou sei lá quais outros ideólogos) definiu uma "nova matriz econômica" para o Brasil. Acontece que a nova matriz era velha e não produziu o feitiço esperado. 

Repetiu-se o erro de pensar que misturando ingredientes - gasto público solto, política monetária leniente, crédito público a mil, isenções fiscais aqui e acolá, microgerenciamento das decisões empresariais, etc. - e agitando o caldeirão da política econômica o governo asseguraria o milagre do crescimento contínuo e a felicidade geral do povo. As preocupações contrárias foram consideradas fórmulas velhas, "ortodoxas", monetaristas, submissas ao Fundo Monetário Internacional (FMI), propensas a fazer o ajuste fiscal à custa do povo.

Os resultados estão à vista, e em mau momento: o das eleições. 
O produto interno bruto (PIB) não cresce, antes se contrai, a inflação roça o teto da meta e só não o ultrapassa porque há preços artificialmente represados pelo governo; a indústria diminui de tamanho e perde competitividade; e os investimentos despencam juntamente com a confiança das empresas no governo. 

Pudera, o superávit primário virou pó, apesar dos artifícios contábeis e das "pedaladas fiscais"; os bancos públicos, chamados a injetar anabolizantes creditícios na economia e a bancar o voluntarismo do governo no setor elétrico, encontram-se expostos a créditos de qualidade duvidosa, criando dúvidas adicionais sobre a situação fiscal do País; a Petrobrás e a Eletrobrás, igualmente submetidas ao voluntarismo governamental, perderam valor e capacidade de inversão; as reservas do Banco Central encontram-se comprometidas pelos swaps cambiais (quase US$ 100 bilhões); e por aí vai. 

Cáspite! - como se dizia nas histórias em quadrinho dos anos 1940. 
É encrenca para não botar defeito.

Diante dessa situação, o que propõe a candidata Dilma? 
O mesmo, com mais propaganda. Desfia um rosário de realizações, sem se dar conta de que o calo aperta na má gerência, no aparelhamento desenfreado da administração por partidos políticos, na baixa qualidade dos serviços públicos de educação, saúde e transporte e nos casos de corrupção sistêmica, nas obras inacabadas e no desperdício do dinheiro público. 

Ah, sim, também nos impostos, que, mais do que elevados, são mal utilizados. 
Dá para ganhar eleições desse jeito? Mesmo Lula parece arrependido de ter indicado candidatos-postes cujas luzes não acendem...

Daí a responsabilidade por construir caminhos para um futuro melhor recair nos ombros das oposições, que se deparam com uma encruzilhada. Um caminho aponta uma estrada pavimentada pela experiência, pelas realizações. Outro, como se faz nos lançamentos de empreendimentos imobiliários, mostra fotos de maquetes tomadas com lente grande-angular: aparece o melhor no foco e se esfumam no horizonte as dimensões das dificuldades reais. 

A questão não é a foto da partida, é o percurso para levar a uma construção sólida.
Na tradição personalista de sempre (seria da política velha?), os dados eleitorais parecem mostrar a formação de um vagalhão. As intenções da candidata oposicionista são boas, mas o político, já dizia Weber há um século, não é como o pregador. A este bastam a convicção e a boa palavra. Como nos Evangelhos: aquele que acreditar em mim encontrará a salvação. O político, além da crença, precisa construir os caminhos da "salvação", que será sempre terrena e imperfeita. 

O desafio está no fazer, e não nas palavras. 
Há "bons" e "maus" entre as pessoas, assim como há lados "bons" e "maus" numa mesma pessoa. Valem as aspas porque há valores e interesses que para uns são "bons" e para outros, "maus".

Além disso, na política não se trata só de pessoas, mas do que elas representam. Na vida pública o objetivo não é somar os "bons" e alinhá-los contra os "maus", em confronto definitivo. Trata-se de organizar forças ao redor de ideias e de interesses que, ainda que contraditórios em alguns pontos, possam compor-se e formar uma maioria para governar por um período determinado de tempo em torno de objetivos claros que, se alcançados, possam beneficiar o País.

A candidata Marina Silva, se vencer a eleição, será capaz de tal proeza? Tomara, mas ainda é uma incógnita. Sem negar-lhe méritos pessoais e políticos, é recente a sua conversão a algumas das teses há muito sustentadas pela oposição que não tem medo de dizer o seu nome.

Aécio Neves representa essa oposição que vem junta há muitos anos. Sobre a sua capacidade de mobilizar e coordenar equipes técnicas, organizar e liderar maiorias políticas, não cabe dúvida. Ele a demonstrou reiteradas vezes como deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados e governador do Estado de Minas Gerais.


Enfim, escolheremos o caminho mais seguro ou, no embalo da velha tradição personalista, embarcaremos na direção de mares nunca dantes navegados? Embora a opção em causa seja diferente de outras que nos levaram a impasses e desastres no passado, prefiro manter-me firme ao lado de quem já passou por provas que o capacitam a governar com grandeza, com competência, e a obter os apoios necessários para tirar o País do labirinto lulopetista.

Fernando Henrique Cardoso 
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ÀS AUTORIDADES COMPETENTES ! O BRASIL DECENTE PRECISA EXPURGAR OS "ABRIGADOS" NO CONGRESSO DE MARGINAIS: Manobras impedem evolução de investigações no Congresso


As tentativas de investigar a Petrobras, com a abertura de comissões parlamentares de inquérito (CPIs), enfrentam, desde 2009, dificuldades para evoluir no Congresso Nacional. Supostas fraudes na construção e reforma de plataformas, desvio de recursos dos royalties da exploração do petróleo e uso político de verbas de patrocínio cultural engrossam a lista de casos que chegaram com alarde ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados, mas foram perdendo a força com o tempo até serem esquecidos, abafados por manobras da base governista.



Há cinco anos, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) conseguiu reunir 32 assinaturas para protocolar um pedido de abertura de CPI no Senado. Para convencer os colegas, ele tinha em mãos os resultados de investigações e auditorias da Polícia Federal, Procuradoria da República e Tribunal de Contas da União, todas apontando problemas na gestão da estatal. Os auditores do TCU encontraram, por exemplo, sobrepreços e critérios de medição inadequados na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e na reforma da refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná.

Mas a CPI, dominada pelos governistas, isentou a Petrobras de responsabilidades, como concluiu o relatório assinado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). A nova investida da oposição, em 2012, teve como alvo a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, que contou com relatório escrito pelo ex-diretor Nestor Cerveró. A essa altura, já envolvida em denúncias de irregularidades. Desta vez, o mesmo Álvaro Dias, antes de pedir uma CPI, optou por protocolar representação da Procuradoria Geral da República, cobrando abertura de inquérito civil administrativo e penal para o caso.

No ano seguinte, reportagem publicada pela revista "Época", na qual o lobista João Augusto Rezende Henriques revelou um suposto esquema de cobrança de propinas, destinadas a políticos, em troca de contratos na Petrobras, motivou o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) a solicitar explicações do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão. O esquema teria funcionado entre os anos de 2008 e 2012.

Agora, opositores e governistas se confrontam outra vez na CPI da Petrobras. Enquanto a presidente Dilma Rousseff sustenta que denúncias devem ser apuradas, "mas não podemos permitir, como brasileiros que amam e defendem seu país, que se utilizem de problemas, mesmo que graves, para tentar destruir a imagem da nossa maior empresa", novas manobras de sua base de apoio atrapalham as investigações.

Um vídeo divulgado recentemente pela revista "Veja" mostra uma reunião entre o chefe do escritório da Petrobras em Brasília, José Eduardo Sobral Barrocas, na qual os presentes teriam acertado repassar aos dirigentes da Petrobras investigados pela CPI as perguntas que lhes seriam feitas pelos senadores, evitando assim que fossem pegos de surpresa. Barrocas revela no vídeo que até um gabarito teria sido distribuído para impedir que houvesse contradições nos depoimentos, entre os quais o do ex-dirigente da estatal Nestor Cerveró, autor do relatório que levou a Petrobras a comprar Pasadena.

As revelações de Paulo Roberto Costa sobre a existência de uma espécie de mensalão da Petrobras vão aumentar a tensão no Congresso. A Petrobras, procurada neste sábado para comentar a reportagem, informou, por intermédio da assessoria de Comunicação Social, que não se pronunciaria.

O Globo