"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 18, 2014

O ódio ao PT e o ódio do PT

Lula tem toda razão. 
Existe uma campanha de ódio contra o PT. 
Esqueceu-se de dizer que existe também uma campanha de ódio do PT. 

Uma expôs-se no insulto à doutora Dilma na abertura da Copa. 
Argumente-se que o grito foi típico da descortesia dos estádios. 
O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, influente aliado do candidato Aécio Neves, endossou-o durante um evento do tucanato:
 “O povo mandou ela para o lugar que tinha que mandar.” 

Essa é a campanha de ódio contra o PT. 
Ela pode ser identificada na generalização das acusações contra seus quadros e, sobretudo, na desqualificação de seus eleitores. Nesse ódio, pessoas chocadas pela proteção que Lula e o partido deram a corruptos misturam-se a demófobos que não gostam de ver “gente diferenciada” nos aeroportos ou matriculada nas universidades públicas graças ao sistema de cotas.

O ódio do PT é outro, velho.
 Lula diz que nunca se valeu de palavrões para desqualificar presidentes da República. Falso. Numa conversa com jornalistas, chamou o então presidente Itamar Franco de “filho da puta” e nunca pediu desculpas. 

O ódio petista expôs-se em situações como a hostilização ao ministro Joaquim Barbosa num bar de Brasília e na proliferação de acusações contra o candidato Aécio Neves na internet. Se a rede for usada como posto de observação, os dois ódios equivalem-se, e pouco há a fazer.

Lula antevê uma campanha eleitoral “violenta”, pois a elite “está conseguindo despertar o ódio de classes”. Manipulação astuciosa, recicla o ódio do PT, transformando-o no ódio ao PT. Pode-se admitir que a elite não gosta do PT, mas bem outra coisa é rotular como elite todo aquele que do PT não gosta. 
Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que entesourou US$ 23 milhões em bancos suíços, certamente pertence à elite e no seu depoimento à CPI viu-se que gosta do PT e o PT gosta dele.

Essa estratégia já foi explicada pelo marqueteiro João Santana. Trata-se de trabalhar com dois Lulas: ora há o “fortão”, ora o “fraquinho”. (Talvez as palavras originais tenham sido outras, mais próximas do dialeto dos estádios.)

Quando Lula foi criticado porque tomou um vinho Romanée-Conti de R$ 6 mil durante a campanha de 2002, era a elite que negava ao “fraquinho” o acesso a um vinho do andar de cima, pago por Duda Mendonça. Anos depois, quando viajou pelo mundo em jatinhos de empreiteiras, era o “fortão” redesenhando a diplomacia brasileira.

É uma mistificação, mas contra ela só existe um remédio: 
vigiar a racionalidade da campanha, fugindo da empulhação. 
Quem quiser odiar, que odeie, mas não fica bem a uma presidente da República dizer que investiu em educação recursos que na realidade destinaram-se a cobrir o custeio da máquina. 
Também fica feio a um candidato da oposição que até outro dia estava no ministério dizer que “não fico mais em um governo comandado por um bocado de raposa que já roubou o que tinha que roubar”. Não viu enquanto lá estava?

Talvez a racionalidade seja um objetivo impossível. 
Afinal de contas, até hoje há americanos convencidos de que o companheiro Barack Obama é um socialista que nasceu no Quênia. 
Nesse caso, candidatos não devem ir a estádios.

Elio Gaspari
O Globo

EIS UMA URGÊNCIA(DENTRE MUITAS OUTRAS) PARA A MARGINALIZAÇÃO DO P artido T orpe : O PT e a regulação da mídia



Por que, afinal, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem verdadeira obsessão pela regulamentação da mídia? Por várias razões. Duas delas, justiça se faça, atendem a imperativos da modernização e aperfeiçoamento do arcabouço legal que regula os meios de comunicação. 

A primeira: o Capítulo V, artigos 220 a 224, da Constituição de 1988, que trata "Da comunicação social", permanece até hoje desregulamentado. 
A segunda: o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que normatiza também o rádio e a televisão, é completamente obsoleto. Quando foi promulgado, há mais de meio século, nem a internet existia.

Esgotam-se aí as boas intenções do PT.  
O que de fato leva o partido a defender o que eufemisticamente chama de "democratização da mídia" é a intenção de controlar os meios de comunicação para viabilizar seu projeto de manutenção no poder a qualquer custo.  E essa é a motivação tanto da minoria "ideológica", que entende que a sociedade precisa ser tutelada, como da maioria fisiológica, apegada às benesses do poder.

Quando políticos reverentes ao totalitarismo cubano e simpatizantes das aventuras bolivarianas e do fundamentalismo islâmico falam em "controle social da mídia", só é possível concluir que sejam, também, adeptos da mordaça, do cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa. 
E essa suspeita se agrava quando se observa a maneira oblíqua, ardilosa, como o PT coloca a questão da "democratização" dos meios de comunicação.

Obedecendo à nova estratégia, os porta-vozes petistas da tal "democratização" passaram a distinguir claramente em suas manifestações a mídia impressa (jornais e revistas) da eletrônica (rádio e televisão) com a ressalva de que a primeira não carece de "regulação" como a segunda, que é concessão pública. "Regulação de mídia pode ser feita para rádio e televisão, porque são concessões. Mas não se aplica à imprensa escrita e internet", declarou no último dia 4 o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. 
Faz sentido.

Não fosse por idiossincrasia pessoal, como notoriamente é o caso de Lula, os petistas não teriam razões para se incomodar com a "má vontade" dos jornais e das revistas de maior circulação, a chamada Grande Mídia. Afinal, o hábito de leitura desses periódicos - acreditam os próprios petistas - é praticamente limitado à "elite" que o PT encarniçadamente combate e não impediu que Lula & Cia. vencessem três eleições presidenciais consecutivas. 

Já o rádio e a televisão falam às massas.
 São, portanto, potencialmente perigosos, especialmente nas mãos da "direita". Mas até mesmo na mídia eletrônica o conteúdo não pode ser regulado, segundo a Constituição, como admitiu ainda Paulo Bernardo.

De que maneira, então, neutralizar a "influência negativa" da mídia eletrônica sobre a opinião pública? O próprio Lula já deu a receita, em recente entrevista a um semanário: 
se o rádio e a televisão se recusam a mostrar tudo de bom que o governo faz todos os dias, "vai de rede nacional" sempre que for preciso. 
Dinheiro para isso não falta. 

A solução ideal, no entanto, é definir normas, "algumas obrigações", nas palavras do ex-ministro Franklin Martins, para que "o espectro eletromagnético" informe a população com "equilíbrio e isenção".

Martins não deixou claro a quem caberia decidir se uma emissora de rádio ou de televisão está se comportando com equilíbrio e isenção, mas ele próprio esteve à frente de uma iniciativa que fornece pistas importantes: a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em Brasília ao apagar das luzes do governo Lula. 

Na preparação da Confecom, o governo tomou a precaução de definir previamente, por meio de portarias do Ministério das Comunicações, as instâncias que teriam direito à representação na comissão organizadora, os eixos temáticos a serem discutidos e a sistemática de funcionamento dos grupos de trabalho. 
Tudo muito bem "regulado".
As conclusões da Confecom revelaram-se, para surpresa de ninguém, perfeitamente afinadas com o pensamento do então ministro Franklin Martins. Talvez por isso o documento que as consubstancia permaneça até hoje na gaveta em que a então recém-empossada presidente Dilma Rousseff o guardou.

O ESTADO DE S.PAULO