"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 17, 2013

AOS QUE BAIXAM AS CALÇAS... Cerco fechado aos fundos de pensão

Após amargarem perdas bilionárias por aplicarem recursos de cotistas em títulos do Tesouro Nacional, os fundos de pensão e as entidades fechadas de previdência complementar passarão por um pente-fino do governo. O objetivo é descobrir o tamanho dos prejuízos que essas instituições tiveram com a chamada marcação a mercado dos papéis que detêm nas carteiras — ou seja, a variação diária do valor de cada título —, a maior parte das aplicações de longo prazo, com vencimento acima de 10 anos.

Nos últimos meses, o preço desses títulos foi ao chão, um reflexo direto da desconfiança de investidores em relação à capacidade da equipe econômica em tomar decisões que contribuam para reverter o quadro de baixo crescimento. Antes garantia de estabilidade, a aposta em papéis do governo se tornou sinônimo de prejuízo a muitas das instituições que os detinham na carteira, entre as quais, além dos fundos, bancos. Só o Bradesco reportou perdas contábeis de cerca de R$ 8 bilhões no primeiro semestre. No mesmo período, os danos de todo o sistema financeiro passaram de R$ 120 bilhões, segundo cálculos de especialistas.

No caso das entidades de previdência e dos fundos de pensão — cujo patrimônio é, em sua maioria, constituído por esses títulos —, os prejuízos tendem a ser igualmente monumentais. Mas a equipe econômica ainda não sabe o tamanho exato do rombo, apesar de cobrar dessas instituições, há seis anos, toda a movimentação com títulos públicos. Pela instrução normativa aprovada em 5 de dezembro de 2007, elas seriam obrigadas a informar a posição nas carteiras sempre no último dia útil dos meses de junho e de dezembro de cada ano. Mas uma falha no texto abria espaço para que, caso quisessem, não cumprissem a determinação. 


Diante do agravamento dos resultados dessas instituições neste ano, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), ligada ao Ministério da Previdência Social, decidiu adicionar um artigo à instrução. De acordo com o novo texto, publicado ontem no Diário Oficial da União, "é vedado às entidades fechadas de previdência complementar incluir informações no sistema informatizado (de comunicação desses dados) que importe em restrição de acesso ao seu conteúdo pela Previc, em relação aos títulos (públicos)".

De perto

Em nota, a Previc disse estar "atenta aos movimentos das entidades (de previdência complementar), acompanhando de perto se estão cumprindo as exigências legais para a alocação dos ativos (em carteira)". Negou, porém, que a nova regra de fiscalização seja mais rigorosa e explicou: "Foram feitos apenas ajustes pontuais, não se configurando novas obrigações (para os fundos)"

A Previc não informou o tamanho das perdas dessas entidades com a chamada marcação a mercado, tampouco explicou quais medidas têm tomado para proteger os cotistas desses fundos, caso alguma instituição venha a enfrentar dificuldades financeiras.

Venda desfavorável

Uma fonte da equipe econômica explica que as perdas reais dos fundos de pensão só ocorrem caso o detentor desses papéis se desfaça deLes antes do vencimento. Nesse caso, ele se submeteria às regras de mercado, que, no momento, estão desfavoráveis para quem quer vender títulos públicos. "O mercado está cobrando prêmios maiores do governo para assumir riscos com esses papéis. Então, quem já os têm pagou um preço maior por algo que, hoje, vale menos. A solução, para quem quer evitar prejuízos, é não vender", assinalou.


DECO BANCILLON Correio Braziliense

A saúde na UTI


Há muito tempo a saúde ocupa o topo das preocupações da população brasileira. Recentemente, o tema ganhou ainda mais espaço a partir de iniciativas do governo federal tomadas supostamente para responder aos protestos de junho. 

Não é novidade que as condições gerais do sistema de saúde no país são precárias, os recursos são mal aplicados e a gestão das unidades hospitalares e ambulatoriais é deficiente. O Brasil precisa, certamente, de mais médicos, mas precisa de muito mais para efetivamente passar a oferecer atendimento de qualidade a seus cidadãos.

Diversas pesquisas de opinião colocam a saúde como principal problema do país hoje. O Datafolha, por exemplo, aferiu que esta é a avaliação de 48% dos brasileiros, percentual quase quatro vezes maior que o da segunda colocada da lista, a educação (13%). Saúde é, também, a área em que o governo da presidente Dilma Rousseff é mais reprovado pela população. De acordo com o Ibope, 69% desaprovam a atual gestão neste quesito, numa tendência de piora que vem desde 2008 – a taxa de aprovação é hoje de apenas 28%.

Mas por que a saúde vai tão mal no Brasil? Em primeiro lugar, os recursos orçamentários são insuficientes para fazer frente às atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS) previstas na Constituição de 1988. O país gasta cerca de 8% do PIB com o setor, sendo que o poder público responde por uns 45% da despesa total, abaixo da média de países com características parecidas com as nossas. Quando se considera o gasto per capita, o Brasil aparece como apenas o décimo que mais investe em saúde em toda a América Latina.


Recursos desperdiçados

O subfinanciamento público da saúde é apontado como uma das principais deficiências do sistema no país, com consequências diretas sobre a organização e a qualidade do atendimento prestado pelo SUS. Neste ano, por exemplo, o Orçamento Geral da União destina R$ 99 bilhões para a saúde. Mas o problema é que o valor disponível nunca é plenamente executado. Em 2012, por exemplo, somente 69% do montante autorizado foi aplicado, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU).
 
Não é pouco o dinheiro que é disponibilizado mas acaba não sendo empregado na melhoria do atendimento à população. Ainda de acordo com o TCU, no período compreendido entre 2005 e 2012, a União deixou de aplicar R$ 32 bilhões em saúde. Como a maior parte dos gastos no SUS é com custeio, o dinheiro que não foi gasto refletiu-se em menos atendimento, mais filas, mais sofrimento e, infelizmente, mais mortes: neste período, 42 mil leitos hospitalares foram eliminados. Donde se concluiu que o problema da saúde no Brasil também deriva da má gestão orçamentária.

Para complicar, o governo federal tem reduzido sua participação no financiamento do setor ao longo dos últimos anos. Em 2002, a União respondia por 52,8% do total dos gastos com ações e serviços públicos de saúde. Em 2010, o percentual já havia caído para 44,7%. Em contrapartida, estados e municípios tiveram que assumir maiores encargos, aumentando sua fatia nas despesas: no mesmo período, os primeiros passaram de 21,5% para 26,7% do total e as prefeituras, de 25,7% para 28,6%.


Iniciativa popular

Em razão deste desequilíbrio, uma das principais bandeiras para a melhoria da saúde no país é a vinculação de percentual maior de receita da União para o setor, tal como estipulado na regulamentação da emenda constitucional n° 29, mas derrubado pela base governista no Congresso em 2011. Se fosse aplicado o percentual previsto (10% da receita bruta), a saúde disporia de mais R$ 43 bilhões neste ano – projeto de lei de iniciativa popular com este objetivo, com 1,9 milhão de assinaturas, foi encaminhado ao Congresso neste mês.

Afora o problema do subfinanciamento, a saúde padece da má gestão dos recursos. Ou seja, será inócuo alocar mais dinheiro se o gerenciamento do sistema não melhorar, as ineficiências não forem atacadas e os desperdícios, eliminados. Neste sentido, uma das formas de se obter melhores resultados é firmar parcerias com instituições privadas, contratadas para prestar serviços ao Estado. Bom exemplo é o modelo das organizações sociais, já presente em mais de 70 municípios do país, em que são definidas metas de desempenho para que o prestador receba do poder público pelo atendimento.


Mais e melhores médicos

O governo federal decidiu enfrentar o problema geral da saúde brasileira por meio de uma iniciativa pontual: a importação de médicos, principalmente de Cuba. Agiu assim depois que o programa Mais Médicos, lançado para levar 15.460 profissionais para rincões e periferias, fracassou, ao atrair menos de 10% do número desejado. Diante de um quadro bem mais amplo de problemas, a chegada dos médicos cubanos, ainda que bem-vinda, deverá se revelar de efeitos muito limitados e incertos.

Estes profissionais chegarão para ampliar as ações de atenção básica, orientação correta, pois valoriza o atendimento preventivo, realizado em ambulatórios, postos de saúde ou mesmo em domicílio, e evita a superlotação de hospitais. Ocorre que o Brasil já dispõe de iniciativa muito bem-sucedida com este mesmo objetivo – o Saúde da Família – que, no entanto, tem tido pouca atenção da gestão petista. De 1994 a 2002, o programa exibiu taxa de expansão de 63% ao ano, mas, desde então, o ritmo despencou para 7% anuais. O governo federal tampouco colabora adequadamente com o custeio destas ações, a cargo de estados municípios.


Ao mesmo tempo, promessas importantes da presidente Dilma para ampliar a atenção básica à saúde estão longe de se tornar realidade. Ela assumiu compromisso, por exemplo, de construir 269 unidades de pronto-atendimento (UPAs) e 7.557 unidades básicas de saúde (UBSs). Porém, nos dois primeiros anos de governo foram construídas apenas 12 UPAs (4,4% do prometido) e 434 UBSs (6%), de acordo com o mais recente balanço oficial do PAC.

Resta claro que os médicos importados irão se deparar com a mesma realidade dramática que aflige seus colegas brasileiros: hospitais sem condições e sem equipamentos mínimos para bem atender os pacientes e uma aplicação iníqua das verbas públicas destinadas ao setor. Para esta chaga, o governo ainda não ofereceu qualquer remédio, nem tem demonstrado preocupação à altura. A situação da saúde no Brasil inspira cuidados, exige melhor gestão do SUS, recursos mais volumosos e mais bem empregados, mas demanda, sobretudo, uma solução que não seja mero paliativo, não vise apenas o curto prazo ou somente resultados eleitorais.


"Brasil Real - Cartas de Conjuntura ITV” é uma publicação mensal do Instituto Teotônio Vilela.

Divulgue e compartilhe este texto nas redes sociais: