"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 26, 2012

CPI : O QUE ELES TANTO TEMEM ?


Sempre que se vê em apuros, Dilma Rousseff manda chamar o síndico.
A presidente da República até tenta, mas não consegue sair da barra da saia de Lula.

Agora ela novamente recorre à experiência dele para conter as investigações da CPI do Cachoeira. O que eles tanto temem?


Dilma recebeu Lula no Palácio do Alvorada ontem para um encontro de cerca de quatro horas. Posaram para fotos com descontraídos óculos 3D, mas miraram mesmo foi no andamento dos trabalhos da comissão do Congresso que irá apurar as ligações do submundo do crime com a banda podre da política.

Há cerca de um ano, às voltas com as primeiras revelações do show dos milhões de Antonio Palocci, Dilma também correu a Lula e, juntos, ensaiaram um discurso unificado de defesa do então todo-poderoso chefe da Casa Civil.

Nada adiantou:
15 dias depois, o ministro caiu, sob o peso de contratos que nunca conseguiu explicar.


Agora, como naquela ocasião, a atitude governista é idêntica:
tentar reverter as acusações transformando suspeitos em vítimas.

Os primeiros movimentos petistas na CPI do Cachoeira apontam na mesma direção:
tentar dificultar investigações, dirigi-las a adversários políticos e impedir que as verdadeiras irregularidades sejam apuradas a fundo.


A CPI tem muito a passar a limpo, mas começa com enormes dificuldades para apurar o que realmente interessa. Para começar, dos 32 titulares apenas 7 são de partidos de oposição - ou seja, pouco mais de 20%.

Há uma muralha colocada para barrar qualquer investigação mais séria no Congresso.


Mesmo em folgada maioria, o Planalto dobrou a precaução e instalou na CPI um comando teleguiado para sustar qualquer apuração que "vá para cima do Planalto ou qualquer membro do governo", como admitiu Odair Cunha, o petista de Minas Gerais escalado para relatar os trabalhos da comissão.

Mas, ao contrário do que diz o deputado, o fato é que governo e PT já estão mergulhados até os cabelos nas cascatas torrenciais do bicheiro Carlos Cachoeira. Seja por causa de um assessor palaciano de farta ligação com o contraventor, o petista goiano Olavo Noleto, seja pela escandalosa intimidade de Agnelo Queiroz, governador petista do Distrito Federal, com as teias nebulosas da corrupção.

Ontem, Lula teria dito aos comensais do Alvorada que a CPI pode revelar coisas "surpreendentes". Ele deve saber o que diz. Afinal, o que se sabe até agora, fruto da Operação Monte Carlo da Polícia Federal, já indica que um azeitado balcão de negócios funcionou ancorado em polpudos contratos de empresas queridinhas do PAC.

A Delta Construtora desponta como a vilã da hora, mas apenas por ter sido a mais saliente das sócias do programa que - a despeito de sua pouca efetividade em termos de obras e benefícios para a sociedade - catapultou a trajetória política de Dilma.

Certamente, há muito mais a descobrir por trás dos bilionários contratos.


Por isso, a estratégia do governo e do PT será por restringir ao máximo as investigações, inclusive desviando ao extremo os holofotes para negócios da Delta, enquanto tudo o mais permanece na penumbra.

"O partido não quer permitir a ampliação do foco para evitar que a CPI acabe por investigar as obras de infraestrutura do PAC, uma das vitrines do governo", aponta hoje a Folha de S.Paulo.


Lula e Dilma sabem o que estão fazendo quando afinam sua estratégia refratária diante da CPI. Sabem que o que veio a público até agora é uma gota d'água na torrente de falcatruas que pode ter jorrado da relação promíscua movida por desvio de dinheiro público de obras do PAC.

Sabem que, como um relógio suíço, o interesse de um e da outra caminharam lado a lado com o submundo da corrupção. Por isso, temem tanto a CPI.


Fonte: Instituto Teotônio Vilela
CPI : O QUE ELES TANTO TEMEM?

" SOBRIEDADE E FOCO " OU PISANDO EM OVOS : Guerra de convocações à vista

Em reunião tensa, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista que investigará as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresas públicas e privadas abriu os trabalhos ontem com os parlamentares do colegiado demonstrando que o debate não escapará de uma batalha política.

Os primeiros requerimentos aprovados foram pedidos de compartilhamento de informações relativas aos tentáculos da quadrilha do contraventor, que estão em posse do Supremo Tribunal Federal (STF), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal (PF). Outros 160 requerimentos foram apresentados, a maior parte para convocação de autoridades.

A reunião teve início com a confirmação das eleições do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) como presidente do colegiado e do deputado Odair Cunha (PT-MG) na relatoria. Os requerimentos serão sistematizados e passarão a ser avaliados na próxima sessão, marcada para quarta-feira da semana que vem, às 14h30.

Na esteira das convocações como instrumento de pressão política, o senador Fernando Collor (PTB-AL) chegou a defender a convocação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. A presença do PGR serviria para prestar esclarecimentos sobre as operações Vegas e Monte Carlo, mas também para que explicasse a demora de quatro anos em pedir a abertura de inquérito ao STF.
Collor deve apresentar o requerimento na próxima reunião.


Líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP) tentou impedir a manobra, mas existe um entendimento consensual de que Gurgel deve ir à comissão. Na próxima semana, Vital do Rêgo e Odair Cunha visitam o PGR para convencê-lo a comparecer, evitando o constrangimento de uma convocação.

"Acho interessante que, antes de chegarmos à metade dos trabalhos, o procurador-geral venha à CPI, pois é peça fundamental para entendermos o que já existe de concreto em termos de investigação. Podemos ouvi-lo enquanto analisamos os documentos", disse Vital.
Ele defende que Gurgel seja o primeiro a comparecer.

A oposição, acuada, também começou a colocar em prática o que pretende com a CPI:
empurrar as denúncias o mais próximo possível do Palácio do Planalto.
O intuito é afastar o foco do governador de Goiás, Marconi Perillo.

De formada velada, há até a ameaça de pressão sobre governadores do PMDB que tinham relações com Fernando Cavendish, ex-presidente da Delta Construções.

Como pano de fundo, os oposicionistas acenam com um acordo de cessar-fogo.

Nessa linha, o deputado Ônyx Lorenzoni (DEM-RS) apresentou requerimentos de convocação incômodos ao governo. Cavendish, que mantém contratos milionários com o Executivo, é um dos nomes propostos.

Outros são o de Waldomiro Diniz, personagem principal do primeiro escândalo do governo Lula, em 2004, e de Luiz Antônio Pagot, ex-diretor-geral do Dnit, visto como um "fio desencapado" pelo potencial de dano a governistas.


Do outro lado da rua, o Palácio do Planalto monitora com atenção as ações da CPI. A preocupação é manter os membros da CPI satisfeitos para que blindem o governo durante as investigações.

Na terça e na quarta-feira, Vital do Rêgo esteve com a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, para conversar sobre a comissão, emendas parlamentares e uma disputa regional em que a ministra, inclusive, pode interferir para ajudar o senador.


O caso em questão se refere ao seu irmão, prefeito de Campina Grande (PB), Veneziano Vital do Rêgo. Ele foi abandonado pelo PT municipal após oito anos de aliança. Palacianos prometem ajudar o PMDB na cidade a recuperar os petistas desgarrados, uma ação para agradar o presidente da CPI.

"Acho interessante que, antes de chegarmos à metade dos trabalhos, o procurador-geral venha à CPI, pois é peça fundamental"
Vital do Rêgo (PMDB-PB), presidente da CPI do Cachoeira

GABRIEL MASCARENHAS Correio Braziliense

Como imaginar uma orgia

A minicâmera e o grampo telefônico ainda podem fazer mais pela moral na política do que toda a fiscalização e todos os mandamentos cristãos juntos.
Supõe-se que depois dos escândalos recentemente grampeados as pessoas fiquem mais cautelosas, ou mais reticentes.

Corruptos e corruptores continuarão a existir, mas não agirão nem falarão mais tão livremente, pelo menos não antes de procurar a câmera e o microfone escondidos. O que deve no mínimo dificultar os negócios.


Os avanços da técnica revolucionaram o registro histórico.
Imagine se quando o Kennedy foi assassinado já existissem as gravadoras e os celulares que hoje substituem as câmeras fotográficas até no aniversário do cachorro.

Em vez daquele precário filme em 8mm do atentado, estudado e reestudado quadro a quadro na busca de vestígios de uma conspiração, haveria teipes e fotos de todos os ângulos e com todas as respostas, como a cara, o nome e o CIC dos possíveis conspiradores.


Mas a técnica, ao mesmo tempo que desestimula a falcatrua, comprova a denúncia, desmancha o mistério e enriquece a notícia, pode empobrecer nossa percepção dos fatos. As grandes batalhas e os grandes eventos da era pré-fotográfica foram registrados em quadros épicos em que o artista ordenava a cena em função do efeito, não do fato, ou não exatamente do fato.

A Primeira Guerra Mundial não foi mais terrível do que muitas guerras anteriores, só foi a primeira guerra filmada, a primeira com a imagem tremida e sem cor, e por isso parece tão mais feia do que as guerras heroicamente pintadas.

A Guerra do Vietnã foi a primeira transmitida pela TV, a primeira em que o sangue respingou no tapete da sala. Por isso deu nojo. Os americanos aprenderam a lição e transformaram sua invasão do Iraque num videogame.


Até surgir a possibilidade de ser tecnicamente denunciado, o político corrupto podia contar com a condescendência do público. Mesmo quando não havia dúvidas quanto à sua corrupção, havia sempre a suspeita de que não era bem assim.

Sua culpa - até se ouvir sua voz gravada combinando a divisão dos milhões, ou ver sua imagem forrando os sapatos com dinheiro - era sempre uma conjetura.
Imaginávamos o que acontecia nos bastidores do poder corrupto, mas era um pouco como imaginar uma orgia romana, ou visualizar uma orgia romana através da imaginação de um artista.

Agora, não. Com a banalização do grampo telefônico e da minicâmera escondida, temos o que faltava no quadro. Temos todos os sórdidos detalhes e a orgia às claras. Temos o que enoja.

Verissimo O Globo