"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 25, 2011

O BRASIL MARAVILHA DELES CONTINUA MUDANDO : Mercado de trabalho em ponto morto

Está encerrada a temporada de criação de postos de trabalho no país neste ano.

Os levantamentos mais recentes indicam que a geração de novas vagas arrefeceu, e até antes da hora. A situação está longe de ser tão crítica quanto nos países convulsionados da Europa, mas deve inspirar atenção e cuidados.

Em outubro, a geração de empregos formais despencou no país, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho. Foram criados apenas 126 mil postos com carteira assinada, o que equivale a quase 40% menos do que no mesmo período do ano passado.

Foi o pior resultado para o mês desde o fatídico ano de 2008 e tão ruim quanto no recessivo 2003.


Ontem saiu uma nova fornada de dados. O IBGE informou que a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas do país foi a menor para meses de outubro desde o início da série histórica, em 2002.

Isto é ótimo, mas uma análise mais cuidadosa dos resultados revela aspectos desagradáveis, a começar pela queda da renda média real do trabalhador.


Houve recuo de 0,3% sobre outubro de 2010 - a primeira nesta base de comparação desde janeiro do ano passado - e estabilidade em relação a setembro, quando o indicador recuara 1,8% sobre o mês anterior.

Segundo as análises correntes, o comportamento dos rendimentos reforça
a constatação de que o mercado de trabalho já sente na pele os efeitos da desaceleração da atividade econômica.

A perda de fôlego é generalizada, mas é mais marcante na indústria:
nesta altura da temporada, o setor costumeiramente estaria em plena época de contratações. Neste ano, porém, não foi assim e as máquinas começaram a ser desaceleradas antes do previsto.

Pelos números do IBGE, houve redução de 23 mil vagas industriais em outubro - mais abrangente, o Caged mostrara saldo positivo de apenas 5,2 mil no mês.


Em comércio e serviços, que respondem às condições gerais da economia com defasagem maior que a indústria, o mercado de trabalho também já começa a dar sinais de enfraquecimento.

Tudo somado, evaporou a previsão do governo de gerar 3 milhões de novos empregos neste ano.

O Ministério do Trabalho já se dá por satisfeito se atingir 2,4 milhões - o saldo atual está em 2,241 milhões, mas o último bimestre costuma não ajudar.


Desde agosto, pelo menos, há um mergulho muito rápido, para o zero, do ritmo de aumento da ocupação, da renda média do trabalho e da massa salarial. O tombo ficou mais evidente em outubro", comenta Vinicius Torres Freire hoje na Folha de S.Paulo.

Análises mais minuciosas revelam fragilidades várias no nosso mercado de trabalho. Vão desde a predominância da geração de empregos com baixíssimos salários à rotatividade recorde, passando pela precária situação que aflige os mais jovens, que convivem com taxas espanholas de desocupação.

Na prática, o país só tem gerado vagas cujos salários pagos não ultrapassam dois salários mínimos, como mostrou o Valor Econômico na sua edição de anteontem. Acima desta faixa, o que tem ocorrido é o fechamento de postos de trabalho.

As empresas estão demitindo pessoas que ocupam cargos com salários maiores e pagando menos na hora de contratar", avalia o jornal.


Estabilidade no emprego é outro artigo raro no mercado de trabalho brasileiro.

Segundo dados oficiais, divulgados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a rotatividade de mão de obra é mais alta no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo:
41% da força de trabalho muda de emprego a cada ano, índice que ultrapassa 50% nas faixas salariais mais baixas.


Também é muito alto o percentual de jovens que buscam seu primeiro emprego e não encontram. Na faixa etária de 15 a 17 anos, a taxa de desocupação média está em 22,9%, ou seja, praticamente um de cada quatro brasileiros com esta idade não encontra trabalho.

Na comparação com outubro do ano passado, o desemprego entre os mais jovens cresceu em todas as capitais pesquisadas, exceto em Salvador e no Rio.
Recife e Belo Horizonte exibem as piores marcas:
24,4% de desocupação entre os que têm entre 15 e 17 anos.


Já se sabe que a economia brasileira não cresceu nada no terceiro trimestre - algo que o IBGE deve oficializar no início do próximo mês. Com os ventos frios que sopram da Europa e dos EUA, a situação tende a ficar um pouco pior daqui para a frente.

Para o Brasil, o mais importante na temporada bicuda que se prenuncia é lutar para preservar os empregos.
O bolso é sempre onde as crises mais doem.


Fonte: Instituto Teotônio Vilela

TERRA DE CEGO : Mais uma agência de avaliação de risco decidiu aumentar a nota atribuída ao Brasil.Depois da Fitch e da Moody"s, foi a vez da Standard & Poor"s.

O país está agora com nota acima da mínima requerida para que seus títulos tenham grau de investimento. Quando se leva em conta que a solvência da dívida soberana de boa parte dos países europeus passou a ser posta em dúvida, a reclassificação parece perfeitamente justificável.

Mas o ímpeto comemorativo deve ser contido.
É muito mais o mundo piorando do que o Brasil melhorando.


Causa espanto que a Standard & Poor"s tenha afirmado que a administração austera das contas públicas pelo governo federal foi um ponto fundamental na decisão de reclassificar o Brasil.

Há que se ver as coisas como elas são.
Quando se analisa o período de 12 anos ao longo do qual se consolidou o regime de política macroeconômica que emergiu da crise de 1999, o último triênio se destaca pela fragrante deterioração do compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Basta rememorar os fatos.


Em 2008, o governo já vinha dando todos os sinais de que estava propenso a relaxar a política fiscal. A crise financeira mundial foi o pretexto que faltava. A bandeira da política fiscal contracíclica, hasteada em 2009, continuou tremulando em 2010, quando a economia já estava em vigorosa recuperação.

Havia uma eleição presidencial a vencer, e o governo não estava disposto a brincar em serviço.

O resultado foi o que se viu.
Sucesso eleitoral retumbante às custas de uma economia sobreaquecida - quase 8% de crescimento do PIB em 2010, nos informa agora o IBGE - e inflação bem acima da meta durante a primeira metade do atual mandato presidencial.


O pior foi o meticuloso processo de desconstrução institucional que o governo promoveu para viabilizar a farra fiscal.

Montou-se no BNDES gigantesco orçamento paralelo, alimentado por transferências maciças de recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública.

Entre 2008 e 2011, foram transferidos ao banco nada menos que R$285 bilhões. Por fora do processo orçamentário e sem contabilização nas estatísticas de dívida líquida. O BNDES foi convertido no principal canal da expansão fiscal observada nos últimos anos.

Embora todos os recursos provenham do Tesouro, convivem hoje no governo federal dois mundos completamente distintos. Contam-se os centavos no Orçamento da União e vive-se um clima fausto no BNDES, onde parece haver dinheiro para tudo.


É preciso também lembrar que, em meio à euforia da farra fiscal do ano passado, o governo se permitiu todo tipo de adulteração contábil para conseguir exibir contas públicas minimamente apresentáveis.

No pior momento desses excessos, na operação de capitalização da Petrobras, deu-se ao luxo de recorrer a prodigiosa alquimia que transformava emissão de dívida pública em melhora do superávit primário.


O novo governo, com a mesma equipe, percebeu que tal descalabro teria de ser moderado. Mas não quis abrir mão do orçamento paralelo. Insistiu em transferir mais R$55 bilhões ao BNDES em 2011.

Comprometeu-se apenas com uma meta "cheia" de superávit primário, sem recurso a artifícios contábeis. E, para isso, anunciou um corte de gastos que, de fato, vai significar tão somente expansão menos extremada do dispêndio primário em 2011.


A meta de superávit primário será cumprida graças a novo e espetacular aumento da arrecadação, que deverá implicar aumento de pelo menos 1,5 ponto percentual do PIB na carga tributária em 2011.

Mas o regime fiscal que vem exigindo aumento sem-fim da carga tributária continua intocado. A agenda de reforma fiscal foi simplesmente abandonada. E é improvável que venha a ser retomada neste mandato presidencial.


Quem, no entanto, quiser achar que não foi o mundo que piorou e, sim, o quadro fiscal brasileiro que melhorou, pode comemorar a reclassificação do país e até mesmo acreditar no inabalável compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.

O direito à autoilusão é sagrado.
Rogério Furquim Werneck O Globo