"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 27, 2011

O TCU E A PROFECIA DE RUI BARBOSA.

Na exposição de motivos de criação do Tribunal de Contas da União (TCU), em 1890, Ruy Barbosa temia que o novo órgão pudesse "converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil".
O risco certamente tem sido grande ao longo da história.

O presidente Floriano da Fonseca, por exemplo, tentou cassar seu poder de impugnação de despesas e atos de pessoal em retaliação ao veto à nomeação irregular de um sobrinho do Marechal Deodoro.
O Ministro da Fazenda pediu demissão do cargo, alegando que sem o visto, "O Tribunal é mais um meio de aumentar o funcionalismo, de avolumar a despesa, sem vantagens para a moralidade da administração". Floriano recuou.

Não é o caso dos últimos governos, que não parecem recuar na tentativa de reduzir os já reduzidos poderes do TCU.

O governo Dilma incluiu no texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dispositivo que limita a atuação e a publicização do trabalho do TCU na elaboração da lista das obras com indícios de irregularidades.

A LDO 2012 determina que somente após decisão monocrática de um ministro ou do plenário do TCU o tribunal poderá encaminhar ao Congresso relatório indicando indícios de irregularidade.


Ao sancionar o Orçamento de 2010, o Presidente Lula já havia atropelado o TCU e liberado o repasse de recursos para quatro projetos que apresentavam indícios de irregularidades.
A tentativa recente de restringir informações sobre as obras da Copa vai na mesma linha.


Está lançada a corrida pela indicação do novo ministro do TCU. Existe semelhante despautério em algum país do mundo - parlamentares em campanha aberta para nomeação para uma instituição deste tipo?

Poucos se dão conta que o nosso modelo de TC é singularíssimo, quase sem paralelo no mundo. Há dois modelos institucionais de controle externo - os Tribunais de Contas (TCs) e as Auditorias Gerais. Apesar do nome, os TCs brasileiros não são uma coisa, nem outra.

Em países que possuem TCs - por exemplo, Portugal ou Espanha - o tribunal é parte do judiciário, e não há possibilidade de recurso a outra instância do judiciário (salvo se houver querela constitucional), uma vez esgotados os recursos no TC.

Técnicos são incentivados a punir e cúpula, a acobertar

Os TCs brasileiros só têm um poder real:
suspender licitações.

Em tese, pode também imputar multas e decretar inelegibilidade de candidatos, mas cabe recurso ao judiciário e a impunidade acaba prevalecendo.
Um tribunal de contas para valer tem a palavra final e assim mais gente poderia ir para a cadeia!


Os TCS não são órgãos judiciais e os conselheiros e ministros são nomeados um terço pelo poder Executivo e dois terços pelo Legislativo. Os membros devem preencher alguns requisitos mínimos, de forma que virtualmente qualquer político ou afilhado do governo de turno torna-se nomeável.

Esta cúpula dos TCs funciona como um ator com capacidade de veto sobre as recomendações dos corpos técnicos dos tribunais, que são recrutados meritocraticamente, por concurso público. Esta é a tensão fundamental nos órgãos de controle externo:
o seu corpo técnico tem incentivos para punir ilícitos e sua cúpula para acobertá-los.


O TCU é um oximoro. Intitula-se "tribunal", mas é órgão meramente administrativo (é órgão auxiliar do poder legislativo); baseia-se no contraditório e ampla defesa, mas não é parte do poder judiciário.

A própria figura do TC é rara:
na América Latina, fora o Brasil, eles só existem em 2 países: Uruguai e Honduras.
Os demais possuem auditorias. Mas a opção pelo modelo TC não é um erro.

Urge transformar este tribunal-de-faz-de-contas em efetivo Tribunal de Contas, mudar o mecanismo de nomeação de seus membros superiores (o do Ministério Público Federal é um modelo possível). Ou adotar o modelo anglo-saxônico no qual a oposição nomeia o Auditor Geral e a presidência da Comissão de contas públicas.

Paradoxalmente, do jeito que está, os TCs contribuem para perpetuar a impunidade. O julgamento de contas passa a ser mais uma etapa em longo processo, já que poderá ser objeto de questionamento no judiciário.

No caso de prefeitos que tenham causado dano ao erário, o arranjo atual facilita a impunidade:
caberá a alguém indicado por eles, provavelmente algum parente, inscrever a dívida ativa na procuradoria municipal/estadual!


E se esse prefeito também contar com uma maioria de 2/3 na Câmara Municipal, não precisa nem se preocupar:
a constituição garante que sua base poderá derrubar o parecer prévio pela rejeição de suas contas.

Por outro lado, ao aferir em suas auditorias a regularidade formal das contas (e não investigação efetiva de natureza criminal), os TCs acabam emitindo um salvo conduto para prefeitos corruptos que passam a brandir o parecer prévio sobre as contas como um salvo conduto de lisura.

Afinal de contas a profecia de Ruy se cumpriu e os tribunais são inúteis?
A resposta é:
longe disso!

Com 2.700 funcionários (1.700 auditores) - número mais de três vezes maior que a instituição modelo no mundo (o NAO britânico que tem 870 funcionários), e pouco menor que seu congênere americano (o GAO, que tem 3300 funcionários), - o TCU certamente é "aparatoso".

Mas em pesquisa publicada no Political Research Quarterly estimamos que a probabilidade de reeleição de prefeitos com contas rejeitadas pelos TCs se reduz em 19%. Tigre sem dentes, os TCs - salvo quando suspende licitações - mordem com os dentes alheios.

O papel do TCU no Brasil hoje é o de "alarme de incêndio".
Este alarme só tem efetividade fundamentalmente quando a mídia repercute o seu trabalho. Não é à toa que governantes corruptos nutrem pela mesma um ódio mortal, e buscam controlá-la a qualquer preço.


Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante da Yale University e do MIT e é colunista convidado do Valor.

GASOLINA IMPORTADA : PETROBRAS JÁ PERDEU R$125 MILHÕES.

A Petrobras paga, em média, R$ 1,35 pela gasolina importada (litro), mas a vende para as distribuidoras (preço na refinaria) mais barato, por R$ 1,05. Ou seja, perde R$ 0,30 a cada litro de gasolina que importa.

Como foram comprados até junho deste ano quase 2,6 milhões de barris - mais de 413 milhões de litros, a empresa já perdeu R$ 125,59 milhões com importação de gasolina.


Esses cálculos foram feitos exclusivamente para o blog por Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), que trabalhou com dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

No ano passado, como o preço da gasolina importada era parecido com o vendido nas refinarias, as perdas foram bem menores: ficaram em R$ 700,1 mil (ano de 2010 fechado).

Quando comparamos com os R$ 125,59 milhões alcançados até junho, isso representa um aumento de 17.838,58%.


A Petrobras está importando gasolina para dar conta do aumento do consumo, que cresceu 19% em 2010 e só no primeiro semestre deste ano avançou mais de 10%.

Houve incentivo, por exemplo, para a compra de carros flex e, como o álcool chegou a não ser vantajoso na hora de abastecer, a demanda por gasolina cresceu. No entanto, apesar da alta do petróleo no mercado internacional, a Petrobras mantém congelado o preço da gasolina nas refinarias desde 2009, como já falamos aqui.


O consumidor pode questionar, dizendo que o preço aumentou nas bombas, com toda razão. Mas isso aconteceu por causa do etanol, que é misturado à gasolina e já subiu bastante, inclusive vem aumentando em plena safra.

O governo não quer que o preço da gasolina suba para não pressionar ainda mais a inflação.
Esse é um dos dilemas.


Adriano Pires explica que o governo está diante de uma "escolha de Sofia": se não autorizar a elevação do preço da gasolina, o consumo continuará forte e, com isso, as importações, o que levará a um aumento no rombo do caixa da Petrobras e piora na balança de pagamentos.

Por outro lado, se a gasolina subir, as importações diminuem, mas a inflação aumenta. A situação é complicada, como se vê.


O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, afirmou ontem que não faltará gasolina, mas que um ajuste precisaria ser feito. Ou seja, disse que o preço pode aumentar.

Segundo ele, "a capacidade de produção de gasolina chegou ao limite".
Hoje, no entanto, garantiu que a Petrobras não cogita nesse momento a possibilidade de reajustar os preços.

Valéria Maniero/Globo

A ASTÚCIA ELEITOREIRA DO "ESPETÁCULO DO CRESCIMENTO" DE 2010, E O BRASIL DO MERCADO E O POVÃO DE 2011.

O "PIB potencial" está aí, vivinho da silva, a lembrar que somos um país condenado pelos nossos governantes a crescer pouco.
Apesar de todas as promessas e ilusões em contrário


Como o Brasil vai sair da encalacrada simultânea de uma inflação no limite máximo com um dólar no limite mínimo?

O governo parece ter optado pela saída mais confortável.
Juro alto e real forte, o suficiente para funcionar como âncora anti-inflacionária.
As importações seguram a onda dos preços, mesmo ao custo do crescimento, especialmente o industrial.


Na sua coluna de ontem no Valor Econômico, o ex-ministro Delfim Netto afirmou que o crescimento vistoso de 2010 não passou de um artefato estatístico.
O objetivo do articulista foi contrapor aos que pedem mais aperto monetário, e aqui ele está alinhado com a presidente da República, com a Fazenda e com o Banco Central.


Segundo Delfim, o crescimento brasileiro real, depurado das excepcionalidades, vem patinando em torno de 4% ao longo destes anos todos.
E é verdade.


Curioso apenas que o discurso sirva para um público, o mercado, mas não para outro, o povão. Para o mercado afirma-se que o Brasil cresce pouco, e por isso não seria prudente apertar ainda mais a política monetária.
Para o povão vende-se a ideia de que o Brasil arrancou definitivamente para adiante.


O antecessor de Dilma, por exemplo, repisou estes dias a fantasia de que o governo dele derrubou a tese do PIB potencial de 3%, tese segundo a qual a economia brasileira não poderia expandir a uma taxa superior sem produzir inflação excessiva.

Mas se sua ex-excelência olhar os números verá que o tal PIB potencial continua forte e saudável. Depois do "artefato estatístico", a crer nas palavras de Delfim, voltamos à mediocridade.
Crescimento abaixo de 4%, mas agora com inflação acima de 6%.


Na prática, o governo ajustou para dois pontos acima de 4,5% a meta de inflação, sem admitir oficialmente. Na real, a meta agora é 6,5%.
Uma mediocridade, portanto, além de tudo perigosa.
Mas que serve ao governo para refutar pressões ortodoxas.


Caberia talvez aqui algumas perguntas.
E o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)?
Por que não acelerou o crescimento?
É uma dúvida razoável.
Dirá o governo que estamos crescendo bem mais do que o mundo desenvolvido. Verdade.
Mas uma verdade conveniente.
Pois nossa expansão é bem menor que a dos demais emergentes.
Essa é outra verdade.


Trata-se de um truque habitual.
Conforme o caso comparamo-nos a quem mais convém.
Que tal se nos comparássemos, por exemplo, aos europeus e americanos não só no crescimento, mas também na educação, na saúde, na infraestrutura e na segurança pública?


Mas nosso desafio maior não é decifrar as polêmicas e as malandragens políticas, é crescer e criar empregos.
Há as estatísticas fantasiosas, segundo as quais vai tudo bem.
Aliás, o Brasil talvez seja o único país em que os índices de emprego e crescimento dançam independentemente.
O país pode estar melhor ou pior, mas os números de emprego saem sempre bons do forno oficial.
Curioso.


Na vida que vale escasseia o emprego de boa qualidade e o desemprego entre os jovens permanece motivo de forte preocupação.
Especialmente por causa da estagnação industrial.

Essa filha indesejada do casamento incestuoso do juro alto com o dólar fraco.
Mas que ajuda os governos quando a temperatura dos preços ameaça ficar alta demais. E que se lasque o futuro do país.


Ilusionismo
Alguém com tempo para desperdiçar deveria fazer a lista do número de vezes que as autoridades econômicas vieram a público para garantir que, agora sim, o governo tinha adotado medidas suficientes para conter a valorização do real.

Mas isso não chega a ser notícia. Inclusive porque repete um padrão. Na crise de 2009 era habitual as autoridades virem aos microfones para prometer um crescimento de pelo menos 4%. No fim o número veio negativo, retração.

No Brasil, infelizmente, a regra não é as autoridades econômicas dizerem o que está acontecendo.
Mas o que elas gostariam que nós acreditássemos que está acontecendo.

Nas Entrelinhas Correio Braziliense

Contas externas têm maior rombo desde 1947.

O Brasil encerrou o primeiro semestre com déficit de US$25,448 bilhões em suas transações correntes (operações de compra, venda e aluguel de bens e serviços no exterior), o maior rombo para o período na série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 1947.

Em junho, o resultado ficou negativo em US$3,3 bilhões, também recorde para o mês. Os gastos de brasileiros com viagens internacionais - US$10,184 bilhões, alta de 44,4% puxada pelo dólar barato - e o pagamento de aluguel de equipamentos para exploração de minério, petróleo e gás pressionaram as contas.


O déficit corrente, no entanto, foi coberto pela entrada de investimentos estrangeiros diretos (IED), que atingiram US$32,477 bilhões no semestre - alta de 168% sobre igual período de 2010.

Até o fim deste ano, devem chegar a US$55 bilhões, segundo o BC. Dados parciais de julho (até ontem) apontavam para o ingresso de US$3,6 bilhões este mês, após a entrada de US$5,467 bilhões em junho.


O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais, Luís Afonso Lima, destaca a fragilidade das contas externas. Ele menciona a ajuda das exportações brasileiras, originada principalmente nos altos preços de commodities, que são voláteis, e o fato de o IED estar mais direcionado aos setores de serviços e varejista.

A balança comercial tem ajudado a conter o déficit corrente.
No semestre, ficou superavitária em US$12,967 bilhões, contra US$7,884 bilhões de igual período de 2010.


Já para o diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, Carlos Langoni, o déficit corrente é aceitável, devido à necessidade de o país ter um baixo nível de poupança interna e precisar aumentar investimentos.

- Num cenário de recessão mundial, causado por problemas na economia chinesa, nos EUA ou na Europa, os preços das commodities vão cair, o câmbio sofrerá um ajuste e, é claro, haverá alguma reversão na entrada de IED. Mas aqui entra o papel das reservas internacionais - disse.

Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, o déficit corrente reflete a continuidade do crescimento, que se traduz em maior demanda. Ele mencionou a conta de aluguel de equipamentos, que fechou o semestre com déficit de US$7,833 bilhões - alta de 26,6% frente a igual período de 2010. Em junho, o saldo negativo foi de US$1,437 bilhão.

A enxurrada de dólares é um dos motivos do derretimento da moeda americana, que, ao elevar o poder de compra do real lá fora, estimula o turismo. O déficit em viagens internacionais cresceu 65,5% no semestre sobre igual período de 2010, para US$6,814 bilhões.

Em junho, a conta de viagens registrou saldo negativo de US$1,364 bilhão, com despesas no exterior atingindo US$1,854 bilhão, recorde para o mês e segundo maior resultado mensal, depois de abril. As receitas de estrangeiros aqui ficaram em US$490 milhões, menor gasto mensal desde outubro de 2010.

Geralda Doca O Globo