"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 15, 2011

DESCULPAR-SE POR SER OPOSIÇÃO?


Será que o aumento do salário dos políticos vai custar muito menos do que custariam ao orçamento alguns poucos reais a mais de antecipação no salário mínimo?
(...)
Fazer oposição entre nós costuma ser visto como pecado capital.

Tem sido assim, pelo menos desde a ditadura.
O sujeito que faz oposição no Brasil precisa pedir desculpas, precisa explicar toda hora que está “contra o governo, mas não contra o país”.
Precisa declarar-se um “construtivo”.
Precisa sujeitar-se a ser atacado diuturnamente como impatriota.

É traço de subdesenvolvimento político.
Uma marca do nosso autoritarismo seminal.

Certo corolário recente do teorema “construtivista” pretende difundir que os últimos governos foram muito atrapalhados pela oposição.
Quando? Onde?
Fernando Henrique Cardoso aprovou o que quis no Congresso Nacional.
E Lula só perdeu a CPMF porque sua base se dividiu.
Ainda que ele prefira espalhar uma versão diferente.

Agora, a reivindicação de uns reais a mais no salário mínimo é estigmatizada por supostamente colocar em risco o necessário ajuste fiscal.
Ajuste, aliás, que até outro dia o governo considerava dispensável.

Trata-se então de combater a “irresponsabilidade”.
E lá vêm as pressões sobre a oposição.
O que chega a ser curioso, considerado o tamanho bem suficiente da bancada do governo.

É curioso, mas explicável.

O Palácio do Planalto projeta para esta semana uma bela demonstração de força. Na base do convencimento político, da sedução, da pressão ou da ameaça — ou da combinação desses elementos — pretende na votação do mínimo mostrar ao mercado que tem instrumentos para enquadrar a base política e social.

E vai ser num tema sensível principalmente para os pobres.
É escolha de caráter prático, pois a presidente da República só precisará enfrentar a urna daqui a quatro anos.
E de caráter pedagógico, pois os pobres votaram em massa em sua excelência, especialmente nas regiões onde ela ganhou melhor.

A operação tem um custo político. Por que não dividir a conta?

O que faria Lula se estivesse na oposição?
Denunciaria a insensibilidade social do governo, gritaria contra o “estelionato eleitoral” e mandaria o PT infernizar a base política situacionista, para dividi-la. Seria útil, nem que para arrancar alguma concessão de última hora.

Pois alguns reais a mais para mim ou para você que me lê podem não significar nada.
Mas, como bem lembrou ontem o senador reeleito Paulo Paim (PT-RS), para muita gente serão preciosos pães a mais na mesa e preciosos litros de leite a mais na geladeira.

Governos sempre trabalham com margem de negociação, mas para buscar essas gordurinhas é preciso enfrentar, é preciso arriscar.
É preciso ter estômago forte e nervos de aço.

Se o governo não estiver tão necessitado assim de esmagar as centrais sindicais, talvez possa dar ouvidos aos que propõem uma antecipação parcial do reajuste do ano que vem.
O que for dado a mais agora será descontado em 2012.

Algo bastante útil para quem depende do salário mínimo, pois a inflação está dando as caras é agora.
E não dá para o sujeito pagar só no ano que vem as contas que vencem já.

Teria também um aspecto de justiça, pois deputados e senadores acabaram de aprovar para eles mesmos um forte aumento no salário. E sem mexer nos demais benefícios.
E o aumento da presidente da República e dos ministros foi ainda maior.

E ninguém do primeiro escalão reclamou.

Por falar nisso, será que o aumento do salário dos políticos vai custar muito menos do que custariam ao orçamento alguns poucos reais a mais no salário mínimo?

Talvez esteja também aí a dificuldade de as autoridades fazerem aquele apelo geral pelo sacrifício, tão costumeiro nestas situações.

Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

ENFURNADOS.


"Enfurnado" significa:
1 - encafuado: feras enfurnadas.
2 - oculto, guardado: fortuna enfurnada. (No dicionário).

Furna:
1 - antro, subterrâneo, caverna, lugar apertado entre vales. (No dicionário).

"Furnas": grande empresa estatal que produz 60% da energia brasileira. É o objeto de briga entre alguns deputados e senadores para botar na mão (e no bolso) aquilo que pertence aos cidadãos brasileiros.

Disputam diretorias das estatais, autarquias e bancos públicos que lhes possam trazer benefícios pessoais na maioria das vezes por métodos ilegais (isso não está no dicionário.)

"Contribuiria muito para o país" (detalhar as reuniões e conversas privadas que tiveram ) - diz em mensagem pública o deputado Eduardo Cunha (PMDB) dirigindo-se ao deputado Garotinho (PR), pela internet.

É obrigação destes dois senhores e respectivos partidos detalharem com transparência o que "contribuiria muito para o país". E por que não o fizeram antes?

Devem ser expulsos dos partidos todos aqueles que não "contribuíram para o país", e só tornam públicas suas desavenças e negociatas quando seus feudos estão sendo ameaçados.

Conversas cifradas são típicas de mafiosos.
Os partidos políticos, ao contrário, existem para servir ao país e à democracia.


Outra mensagem, do deputado Garotinho para o deputado Cunha:
"Toma cuidado Eduardo porque além de a casa (Cehab/Rio) cair você também pode entrar pelo cano (Cedae/Rio)".
Complementa sugerindo ao deputado Cunha fazer uma boa Prece (Fundo de Pensão da Cedae) - "pois seus pecados são grandes".


Eles estão se acusando, por negócios obscuros, em público, ao vivo pela internet! Cabe, então, a pergunta:
será que seus respectivos partidos (PMDB e PR) se mantêm calados porque concordam e utilizam as mesmas práticas?
O que falta para agir?


"Embora sabendo que o deputado (Cunha) gosta muito de laranja, recomendo que tome suco de maracujá e sobrevoe o patrimônio que construiu praticando... asa DELTA"- diz o deputado Garotinho, em outra mensagem, referindo-se à empreiteira Delta.

Empreiteiras são frequentes doadoras nas campanhas eleitorais daqueles que irão definir orçamentos, obras, licitações e concorrências em que estas mesmas empresas serão contempladas.
Não acredito que fazem por patriotismo e espírito público na sua maioria. Algumas fazem por interesse em seus negócios!


O jornalista Jânio de Freitas, em 1987, publicou anúncio em código nos classificados da "Folha de S.Paulo" cinco dias antes da divulgação dos ganhadores da concorrência da Ferrovia Norte-Sul (Maranhão-Brasília).

As maiores empreiteiras na época (ainda hoje entre nós) tinham "acertado" a divisão dos 18 trechos da obra, antes mesmo do resultado oficial.
O jornalista publicou as iniciais de cada empreiteira com o número do lote.
E acertou!

O presidente era José Sarney, o ministro dos Transportes era José Reinaldo Tavares e as mesmas empreiteiras participaram e ganharam uma nova concorrência. O histórico de negócios obscuros de empreiteiras não é recente.


Este é o nosso "presidencialismo de coalizão".
Nome técnico que se dá ao sistema que faz com que, eleição ganha, quem apoiou tem seu quinhão no governo para ocupar com "apadrinhados" os cargos nos quais o Brasil precisa de técnicos competentes.

A vergonhosa, aberta e impune disputa por cargos em Furnas (que se repete em todo o setor público) mostra o incorreto, o ilegal, o enriquecimento ilícito, a falta total de comprometimento com o bem público, a participação na vida política para transações, o escárnio.

Vemos empresas compradas por R$7 milhões e revendidas em seguida para a estatal por R$80 milhões.
Vemos doleiros em balcões de "negócios" públicos.


Afastaríamos os senhores interesseiros da vida pública a partir do momento que os cargos de nomeação política (o que é normal) a cada novo governo fossem reduzidos a um número mínimo - como na Inglaterra, onde são aproximadamente 300.

O resto é para funcionários de carreira.
No Brasil chegou-se a 20.000 nos últimos oito anos.
Precisamos de mais meritocracia e menos cleptocracia!


Assim, a vida pública atrairia mais idealistas e cidadãos competentes e, cada vez menos, mercadores da política.

D. João de Orleans e Bragança O Globo