"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 30, 2010

A RECEITA ANTECIPADA DA VENDA DE PETRÓLEO.


A divulgação das necessidades de financiamento do setor público mostra que, sem a receita antecipada da venda de petróleo pelo governo federal, se registraria até o final do ano a pior situação das contas públicas.

De fato, nos oito primeiros meses do ano o superávit primário ficou em R$ 47,787 bilhões, equivalente a 2,07% do PIB.
No mesmo período de 2008 esse superávit foi de 5,22% do PIB, e em 2009 foi de 2,14%.

Admitindo um crescimento de 7,5% do PIB neste ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê que o superávit primário deveria ser de 2,15%, com um valor de algo muito próximo de R$ 76 bilhões.

Para atingir esse resultado até o final do ano, seria necessário apresentar superávits mensais de R$ 7,2 bilhões, o que não se conseguiu até agora.

Com o aumento dos gastos em fim de ano, o superávit costuma diminuir: em 2008, de R$ 10 bilhões, em agosto, caiu para um déficit de R$ 20 bilhões, em dezembro; em 2009 o superávit de R$ 5 bilhões caiu para R$ 275 milhões.

Não se pode esperar, agora, uma grande modificação, mesmo admitindo que, passado o período das bondades eleitorais, as despesas sigam um rumo declinante.

Porém, como anunciou anteontem o secretário do Tesouro, o governo já resolvera a questão tendo preparado seu golpe fiscal há tempos, quando apresentou o esquema de capitalização da Petrobrás.

Na realidade, vai exibir o maior superávit primário nas contas públicas ao recorrer a um pagamento antecipado das receitas provenientes das reservas do petróleo, ainda no fundo dos poços, que vendeu à Petrobrás...

É um resultado que pode satisfazer os propósitos do presidente Lula, mas poderá custar caro à Nação.

De um lado, reduz as receitas da empresa estatal, que não poderá transferir dividendos tão generosos como agora, e, de outro, dará a impressão de que não é preciso se preocupar com o superávit primário.

Isso quando os juros pagos em agosto atingiram o maior valor desde que existe a série das necessidades do setor público.

Sendo o governo federal responsável por 80,2% desses juros, terá de aumentar sua dívida - interna ou externa -, isto é, pagará mais juros, que estão contribuindo para o aumento dela, porque o superávit primário não os cobre.

O crescimento da dívida será seguido por um aumento dos juros, num período em que a desvalorização do real irá contribuir para uma elevação de preços, assim como para um custo mais alto, em reais, dos empréstimos externos...

O Estado de S. Paulo

SUPERAVIT PRIMÁRIO CAI PELA 4ª VEZ.

Desempenho de 2,01% do PIB está abaixo inclusive dos 2,05% do PIB economizados em 2009, ano marcado pelos efeitos da crise global

Pelo quarto mês seguido, a economia para o pagamento de juros do setor público acumulada em 12 meses caiu, evidenciando o claro afrouxamento da política fiscal do governo neste ano.

Dados divulgados ontem pelo Banco Central mostram que a União, Estados, Municípios e empresas estatais juntas fizeram um superávit primário de 2,01% do Produto Interno Bruto (PIB) nos 12 meses encerrados em agosto.

Em abril, ponto mais alto antes que o saldo acumulado começasse a cair, o resultado em 12 meses era de 2,14% do PIB.

O desempenho está abaixo inclusive dos 2,05% do PIB economizados pelo setor público em 2009, ano marcado pelas políticas de enfrentamento da crise econômica.

Esse desempenho das contas do setor público ocorre a despeito de o governo federal já ter adotado algumas manobras para inflar suas receitas, como a antecipação de dividendos da Eletrobrás.

Só essa medida rendeu R$ 1,4 bilhão aos cofres do governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central), cujo superávit primário em 12 meses está em 1,31% do PIB.

O comportamento da despesa do governo federal, que tem a responsabilidade maior pelo cumprimento da meta de superávit primário de 3,3% do PIB para o setor público, é a chave para entender o baixo esforço fiscal neste ano.

O governo tem mantido o pé no acelerador do gasto em 2010, com destaque para os investimentos, mas também nas despesas de custeio, como salário do funcionalismo público. Nos oito primeiros meses do ano, enquanto as receitas subiram 16,2%, as despesas aumentaram 17,2%.

(...)

Petrobrás.
De qualquer forma, o quadro em 12 meses deixa claro que o governo só vai conseguir cumprir sua meta fiscal de 3,3% de superávit para o setor público por conta da engenharia financeira envolvendo a capitalização da Petrobrás.

Essa operação deve engordar o caixa do governo federal em cerca de R$ 30 bilhões em setembro, elevando o superávit primário em 12 meses em quase 1 ponto porcentual do PIB.

Ou seja, o resultado fiscal que hoje está em 2% saltaria para em torno de 3% do PIB nos 12 meses encerrados em setembro.

Contribuições.
Considerando somente os números do mês de agosto divulgados ontem pelo Banco Central, o setor público registrou superávit primário de R$ 5,22 bilhões.
O governo central economizou R$ 3,46 bilhões, enquanto os governos regionais (estados e municípios) pouparam R$ 1,3 bilhão e o conjunto das empresas estatais, R$ 457 milhões.

"Foi um resultado fiscal bom. O importante é que ele teve contribuição de quase todas as esferas de governo", disse Altamir.

(...)

Para o fechamento do ano, o BC trabalha com a relação dívida/PIB de 39,6%, taxa que deve ser revista hoje, com a divulgação do relatório de inflação.

Fabio Graner, Fernando Nakagawa O Estado de S. Paulo

DESPESA COM JUROS VAI A R$15,69BI


Crescimento do valor nominal da dívida pública, inflação e maior parcela de títulos prefixados explicam alta, afirma BC

As despesas com juros do setor público em agosto atingiram a marca de R$ 15,69 bilhões, recorde para o mês desde o início da série divulgada pelo Banco Central, em 2001.
Também foram recordes os valores desembolsados aos credores da União, Estados, Municípios e empresas estatais no acumulado do ano (R$ 123,79 bilhões), e nos 12 meses encerrados em agosto (R$ 184,63 bilhões).


O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, explicou que o pagamento de juros aumentou por uma série de fatores. Um deles é o próprio crescimento do valor nominal da dívida pública.

Como o conjunto dos governos no Brasil não consegue fazer economia fiscal suficiente para pagar toda sua despesa com juros, o setor público tem que fazer dívida para honrar seus compromissos.

Com dívida crescente, a tendência do gasto com juros é crescente, mesmo com o País operando com níveis historicamente mais baixos para a taxa básica de juros (Selic).

A inflação, que remunera parte relevante dos títulos públicos, é outro fator. Com índices de preços mais salgados, o custo para o governo em seus títulos atrelados à inflação aumenta.

Conta de juros.
Também pesa neste ano na conta de juros o fim da rentabilidade gerada pelos contratos de swap cambial (operações equivalentes a venda de dólar no mercado futuro) em 2009.


Com a valorização do real, essas operações que geravam receitas de juros para o governo não estão repetindo o desempenho em 2010.
De janeiro a agosto de 2009, os contratos de swap geraram receita de R$ 3,2 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional.


Outro fator que sustenta uma alta carga de juros é a maior participação de títulos prefixados (cuja rentabilidade é definida na venda do título) no estoque da dívida. Esses papéis, como têm taxa fixa, fazem com que o volume de despesas com juros se mantenha em determinado patamar por mais tempo mesmo que a taxa Selic caia, como ocorreu no ano passado.

Recordes.
O setor público também teve recordes nos números do resultado fiscal nominal (receitas menos despesas incluindo juros).


O déficit nominal em agosto somou R$ 10,48 bilhões, o pior para o mês na série.
Em oito meses, o rombo soma R$ 76,01 bilhões e no acumulado em 12 meses, R$ 115,80 bilhões.
Nos dois casos, novos recordes históricos.


Mesmo porcentual
A dívida líquida do setor público fechou o mês de agosto correspondendo a 41,4% do PIB, segundo dados divulgados pelo Banco Central.
O porcentual é idêntico ao verificado em julho
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Fabio Graner, Fernando Nakagawa O Estado de S. Paulo

DO SALTO ALTO

Em 2006 o presidente Luiz Inácio da Silva errou ao faltar ao debate da TV Globo. João Santana, o conselheiro de marketing presidencial, logo depois da reeleição atribuiu a isso - mais que ao escândalo dos aloprados - a insuficiência de votos para a vitória no primeiro turno.

Agora Lula errou ao ter pesado a mão além dos limites do aceitável até para personalidades que tradicionalmente estiveram ao lado dele e que estão acima de qualquer querela partidária. D. Paulo Evaristo Arns, por exemplo, o primeiro signatário do manifesto em defesa da democracia, simbolicamente lido no Largo de São Francisco (SP) por Hélio Bicudo.

Lula achou que era preciso uma reação forte para tentar neutralizar os possíveis efeitos das notícias sobre as negociatas de Erenice Guerra e companhia a partir da Casa Civil.

Acabou exagerando na visão do público que se sensibiliza com roubalheiras e dando a ele, o público, a impressão de que ele, Lula, estava se achando o dono do mundo e da vontade alheia.

Comprou uma briga inglória e deu margem à manifestação de contrariedade de muita gente que estava politicamente inerte. Por vários motivos, entre eles ausência de entusiasmo em relação à candidatura de José Serra.

O resultado apareceu nos índices da candidata Dilma Rousseff. Haveria outra forma de o presidente administrar o problema que surgiu a 15 dias da eleição?

Seria muito arriscado fazer como de outras vezes e ignorar a história cabeludíssima. Mas era preciso, ao mesmo tempo, construir alguma justificativa para se contrapor aos fatos tão eloquentes.

O presidente convocou a culpada de sempre, a imprensa, e caprichou no contra-ataque. Esperto, não deu nomes a esses nem àqueles. Protestou genericamente contra entidades conspiratórias (ao molde das "forças ocultas", de Jânio Quadros) e achou que assim apagaria as evidências.

Uma pessoa menos autoconfiante, ou em crise menos aguda de exacerbação da autoconfiança, teria tomado as providências, demissões, pedido de investigações, condenação dos atos e daria por entregues os "lamentáveis fatos à polícia".

Não teria achado que pode tudo contra todos e se arriscado a, de novo, produzir um indesejado segundo turno. Que, aliás, se acontecer, fará o PT encerrar a primeira etapa da eleição na condição de vencedor, mas com jeito de derrotado.

Parado no ar. Os argumentos dos ministros do Supremo fazem sentido. A exigência de dois documentos para votar restringe mesmo o acesso às urnas. Mas, como o Congresso aprova algo assim, como o PT apoia (depois alega inconstitucionalidade) e Lula sanciona?

Falta de atenção institucional. No caso do presidente, falta de Casa Civil profissional e competente.

Uma ou outra. Não dá para o PSDB ao mesmo tempo defender a liberdade de expressão e pedir censura para pesquisas de intenção de votos, como fez o tucano Beto Richa no Paraná com o Datafolha.

Há "democratas" - no sentido adjetivo, não de nome próprio do partido - que justificam o pedido de interdição de pesquisas dizendo que elas muitas vezes são usadas indevidamente e que influenciam o eleitor.

Pois é, a liberdade é assim, irrestrita: por isso também dá margem a deformações, causa desconforto e contraria.

Para resolução de insatisfações como essa da divulgação de pesquisas às vésperas das eleições e até mesmo da dupla jornada de alguns institutos que trabalham para campanhas, a solução é via Congresso.

Quem tiver força política e argumentos convincentes que tente aprovar alguma regulação legal.

Ocorre que políticos não fazem isso porque nem sempre é uma questão de princípio, mas de circunstância. Têm receio de que amanhã ou depois possam ser favorecidos por aquilo que criticam hoje.

Só não dá para querer resolver os problemas na base da censura. É mais fácil, mas custa caríssimo.

Dora Kramer /O Estado de S. Paulo,