"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 19, 2010

O ÉBRIO DÉSPOTA QUE NÃO DEU CERTO, MAS QUE NÃO DESISTIU DE ASSENHOREAR O PAÍS, UM DESATINADO.QUE ELA A "COISA" TENHA COMO SENTENÇA O OSTRACISMO.

Dora Kramer

Na cadeira presidencial

À primeira referência explícita da oposição no horário eleitoral ao fim do governo Luiz Inácio da Silva - “quando o Lula da Silva sair é o Zé que eu quero lá” - o presidente tratou de reagir.

Mudou completamente a afirmação que vinha defendendo desde a reeleição, em 2006, de que uma vez terminado o segundo mandato iria “assar uns coelhinhos” em São Bernardo do Campo.

Há menos de um mês ainda dizia que iria ensinar a Fernando Henrique Cardoso como deve se comportar um ex-presidente: “sem dar palpite” na vida de quem está governando.

Ontem Lula passou a dizer que vai percorrer o País dando palpites para Dilma Rousseff quando vir “alguma coisa errada”.

Assegurou que terá “papel ativo” no governo dela viajando o País inteiro para verificar como andam as coisas.

Dando a entender que nem ao menos guardará a liturgia do cargo. Qualquer coisa pega o telefone e diz: “Olha, minha filha, tem coisa errada. Pode fazer o que eu não fiz.”

Pelo dito, vai inaugurar uma modalidade de Presidência itinerante e a distância.

Quis informar ao público que votar em Dilma significa votar nele, que a única diferença entre um governo e outro será o nome do titular do cargo.

E ainda assim de direito porque de fato o presidente será ele, Lula.

Quis aplicar um antídoto à ideia da retirada de cena, da descida de Lula do pódio da política e da substituição de mandatário explicitada no refrão da trilha sonora do programa de televisão de José Serra.

Para Dilma, Lula, o PT e o plano de uma continuidade por unção quase divina é fundamental que o público não tome consciência da interrupção, não consolide a noção de separação, de diferença.

É crucial que o entendimento seja o de que haverá apenas uma troca de nomes por exigência legal, algo próximo de uma formalidade.

No programa eleitoral do PT no horário noturno esse imperativo ficou evidente: em ritmo de Brasil grande, formato de superprodução e tom institucional sem resquício de política, não houve referência ao ato eleitoral.

Ninguém pediu votos ou considerou a existência de uma disputa e de concorrentes ao cargo.

Passa por cima do eleitor, transpõe o obstáculo das urnas como se no ano que vem fosse haver uma mera mudança de governante por vontade e sob a bênção de Lula.

A campanha simplesmente desconhece a circunstância eleitoral: não pede que Dilma seja eleita por isso ou por aquilo, não a compara com os concorrentes de maneira a informar ao eleitor que se trata de alguém mais bem qualificado que qualquer dos outros, nada.

Simplesmente põe Dilma Rousseff sentada na cadeira presidencial.

No encerramento a música corrobora o fato consumado: “Agora as mãos de uma mulher vão nos conduzir/ eu sigo com saudade, mas feliz a sorrir/ pois sei, o meu povo ganhou uma mãe/ que tem um coração do Oiapoque ao Chuí.”

O sujeito da oração, evidentemente é Lula, que os autores João Santana e João Andrade transformam numa representação de Jesus Cristo - “deixo em tuas mãos o meu povo” - com vocação autoritária -mas só deixo porque sei que vais continuar o que fiz”.

E se não soubesse não deixaria? Não gostaria é a leitura subjacente.

Na realidade não poderia. Deixa porque a lei assim determina e a derrota do governo na votação da CPMF no Senado em 2007 deu a Lula a exata noção da impossibilidade de mudar a Constituição para obter a chance de disputar um terceiro mandato.

Senado do qual não para de reclamar, dizendo que foi “injusto e ofensivo” com o governo, e onde agora se esforça para formar maioria servil ao projeto de hegemonia e eliminação paulatina do contraditório no Brasil.

Nenhuma diferença em relação a oligarquias que dominam há décadas territórios País afora e toda semelhança com coronéis do porte de José Sarney, cujo empenho em inspirado dizer do senador Jarbas Vasconcelos sempre foi transformar o Senado em um grande Maranhão”.

Nada que já não se soubesse, embora não de maneira tão explícita e didática conforme foi mostrado no horário eleitoral.

NA REALIDADE BRASILEIRA APARECEM SEM EFEITOS ESPECIAIS OS ESQUELETOS DO PAC : UM "PROGRAMA " OPORTUNISTA E DESVIRTUADO, SEM GESTÃO.

O Globo

Não poderia ser mais exemplar - como fruto do desapreço do poder público pelo planejamento e de opção preferencial pelo açodamento em função do calendário político-eleitoral - o fenômeno da transformação de imóveis de uso familiar em estabelecimentos comerciais em Manguinhos.

No Condomínio João Nogueira, casas doadas gratuitamente pelo governo federal por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) viraram bares, quitandas e lojas de ferragens. Um morador montou um açougue na sala de um apartamento térreo, com frigorífico improvisado.

Pelo menos, dois desses imóveis foram sublocados, e os proprietários se mudaram para outra comunidade.

A inadequação imobiliária em obras do PAC, revelada pelo GLOBO na edição de sábado, não é fenômeno pontual.

Fora de Manguinhos, em outra comunidade beneficiada pelo programa, no Morro do Cantagalo, há o registro de pelo menos cinco apartamentos, dos 56 imóveis doados a seus proprietários, alugados a terceiros, em flagrante desrespeito às regras para a concessão das casas.

As normas também proíbem modificações arquitetônicas e sua utilização como estabelecimento comercial.

Punir os proprietários e retomar-lhes os imóveis, como ameaça o governo do estado, parceiro do Planalto nesses empreendimentos, não muda o caráter de um programa que nasceu com o DNA do oportunismo.

Doar imóveis a famílias de baixa e incerta renda não pode ter outro desfecho.

A dinâmica dessas comunidades não demorou a se impor a um projeto implantado sem o planejamento devido, de olho em dividendos eleitorais e, não menos importante, sem levar em conta a realidade sociocultural de nichos habitacionais onde a subsistência dá a tônica com a informalização econômica e urbanística.

A ausência de planejamento não se resume ao desconhecimento de regras próprias de comunidades em que as necessidades do dia a dia não são as mesmas daqueles que elaboraram as intervenções urbanísticas.

Lançado às pressas, o PAC ignorou procedimentos básicos que deveriam ter antecedido a abertura dos canteiros de obras, como remoções (em alguns casos necessárias, mas sempre tratadas como tabu), a expulsão do poder paralelo do crime organizado (não por acaso, em Manguinhos traficantes passaram a cobrar uma "taxa de segurança" aos novos pontos comerciais) e a regularização de atividades econômicas locais (um caminho para incluir pequenos comerciantes na formalização e, pelo recolhimento de taxas, reinvestir os tributos em melhorias nas comunidades).

O açodamento do PAC de favelas também se evidencia na previsível impossibilidade de, a médio e longo prazos, haver a devida manutenção dos equipamentos construídos, numa repetição de programas semelhantes - como o Favela Bairro -, implantados com fanfarras, mas estruturalmente fadados ao insucesso.

Em decorrência, perde-se, além de centenas de milhões de reais, a oportunidade de beneficiar comunidades com melhorias físicas estruturais e de mudar concretamente as condições de vida de seus moradores, em vez de lhes destinar apenas suntuosas maquiagens urbanísticas.

SEMPRE COM O CONHECIMENTO DA REALIDADE PARA DESCAMUFLAR A UTOPIA E A APOTEOSE DO (P)ARTIDO (T)ORPE.

Correio Braziliense

A educação vai mal. A saúde, idem. Segurança e infraestrutura são outros dois problemas crônicos na vida nacional. Isso, apesar de o contribuinte brasileiro entregar aos cofres federais somas cada vez maiores de impostos e contribuições.

Os sete primeiros meses deste ano registraram sucessivos recordes de arrecadação, sempre com crescimento real, acima da inflação. Em julho, entraram R$ 67,9 bilhões, 10,54% mais do que no mês anterior.

Tamanha sanha fez o governo central abocanhar mais de R$ 2 bilhões por dia no período apurado em 2010, tendo engordado o caixa em R$ 450,9 bilhões.

Ainda assim, cristaliza-se na sociedade a ideia de que a economia vai bem.

É uma meia-verdade. Expande-se, é fato, favorecendo a recuperação do emprego e da renda. Mas podia ser muito melhor.

O garrote tributário impede crescimento maior e pressiona preços, ao mesmo tempo em que não é garantia de serviços públicos em quantidade e qualidade razoáveis.

A carga excessiva, das mais elevadas do mundo, tem o agravante de comprometer a competitividade do país no mercado externo, já deteriorada pela valorização do real.
(...)
Aos críticos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responde que o Estado precisa ser forte para atender aos necessitados.

É outra meia-verdade, fácil de ser constatada no desamparo do cidadão, nem sequer atendido em direitos básicos e elementares assegurados pela Constituição.

De nada adianta um Estado rico e não é o caso do brasileiro e ineficiente.

Nem candidatos à Presidência da República — e é o caso dos dois principais, Dilma Rousseff e José Serra — com discursos favoráveis à desoneração, mas programas de governo que não indicam cortes substanciais dos gastos públicos.

Desde a implantação do Plano Real, em 1994, a carga tributária avançou cerca de 10 pontos percentuais em relação ao PIB.

Estima-se hoje que esteja em torno de 36% a 37% da soma das riquezas produzidas pelo país.

O Brasil está na rota do desenvolvimento, mas só o alcançará de modo sustentável se fizer o dever de casa.

Primeiro, a máquina pública precisa ser menos onerosa — hoje, consome perto de 20% do PIBe mais produtiva.

Segundo, sob o império dessa virtude rara na cena política nacional que é a austeridade, urge trazer as taxas de impostos e contribuições a níveis civilizados e redistribui-las segundo critérios de justiça social.

Assim será possível ampliar os investimentos, tirar grande parte da economia da informalidade e, de quebra, reduzir os juros sem riscos inflacionários.